Casar e descasar, juntar e separar, são processos familiares entendidos como normativos. Ao longo das últimas décadas, como revelam as estatísticas do INE/Pordata, tem-se assistido a um aumento dos divórcios e a uma diminuição dos casamentos. Importa, contudo, lembrar a existência de uniões e separações não registadas, bem como os múltiplos fatores que influenciam estas tendências e as suas oscilações. Ainda assim, em 2024 registaram-se em Portugal 36.633 casamentos e 15.743 divórcios – números que nos convidam a olhar de frente para uma realidade que faz parte vida enquanto sociedade. Ganhamos, assim, coletivamente, em refletir sobre como co-criar bons divórcios (ou boas separações), concebendo-os como espaços de transição para novas formas de ser família. Quando duas pessoas adultas com filhos/as chegam à decisão, partilhada ou não, de romper a relação de casal, precisam de se reorganizar enquanto família. A relação conjugal termina, mas a relação enquanto pais – a parentalidade – é para a vida. Trata-se de um processo complexo do ponto de vista emocional, com implicações esperadas na disponibilidade e na capacidade para lidar com os desafios inerentes.
As crianças e jovens também terão de enfrentar um mar de novas emoções, mas tendencialmente conseguem adaptar-se à nova realidade. Será facilitador, naturalmente, o estabelecimento de uma co-parentalidade fluída e orientada para soluções. Para elas, o que mais pesa não é a existência de duas casas, mas sim o eventual nível de conflito a que podem ficar expostas ou o impacto na previsibilidade inicial do seu dia-a-dia. Quando pais e mães colocam o bem-estar dos/as filhos/as num lugar central das decisões parentais, a separação pode constituir um momento de reorganização e reequilíbrio, em que todos os elementos da família encontram espaço e tempo para se reposicionarem no novo modelo familiar, numa lógica de co-construção e suporte mútuo.
Colocar o bem-estar das crianças e jovens no centro das decisões parentais é mais do que uma ideia abstrata: corresponde a um conjunto de decisões concretas, repetidas de forma consistente todos os dias – e as crianças e jovens ganham com essa consistência. Não se trata de rigidez, nem de rotinas exatamente iguais em duas casas, mas sim de assegurar que o que é central para as crianças e jovens se mantém em ambos os contextos. As decisões, por vezes difíceis, partem naturalmente dos pais; todavia, importa salientar a relevância de dar voz às crianças e jovens, num espaço de escuta afetiva, com disponibilidade, atenção e abertura para procurar compreender o que procuram transmitir. Sabemos que, por vezes, as crianças e jovens dizem aquilo que julgam que o pai ou a mãe deseja ouvir (ex.: “não quero ir com o pai” ou “não quero ir com a mãe), ou ajustam o seu comportamento para evitar tensão ou conflito com quem estão no momento – de alguma forma, para proteger os pais e a si próprios.
As crianças são tanto mais felizes quanto mais se sentirem amadas. Tornam-se tanto mais confiantes e seguras quanto mais puderem ser livres para amar os outros que lhes são importantes. As relações de amor impulsionam o desenvolvimento e fortalecem a capacidade das crianças de amar – a si próprias e aos outros.
Tal como existem diferentes formas de viver em família quando os pais mantêm uma relação conjugal, o mesmo se aplica às famílias cujos pais estão separados. Não há, por isso, receitas estanques para o dia-a-dia familiar pós-divórcio. Cada família é uma família. Com ou sem casal.
Todavia, décadas de investigação trazem-nos pistas que podem ajudar a encontrar caminhos de bem-estar, ajustados à realidade de cada família e atentos às suas sensibilidades, preferências, cultura e escolhas.
Sobretudo, é tempo de desfazer o mito de que, com o divórcio ou separação, a família fica destruída. É certo que podem emergir emoções intensas que levem a sentir essa realidade; contudo, o ex-casal continuará a ser a família das suas crianças e jovens. Já não serão uma família nuclear convencional, mas passarão a ser uma família bi-nuclear, com duas casas, dois modos de estar e de se relacionar, em diferentes dias da semana.
Considerando evidências científicas, bem como a nossa prática clínica, deixamos algumas possibilidades para reflexão:
O que pode proteger as crianças e jovens?
- Coparentalidade cooperante: comunicar de forma funcional, focada nos temas relativos aos/às filhos/as, com respeito e sem acusações ou tentativas de desqualificação mútua.
- Rotinas previsíveis: garantir horários, regras e cuidados relativamente consistentes entre casas. Apesar das diferenças, as crianças e jovens tendem a adaptar-se bastante bem.
- Aliança educativa: tomar em conjunto as decisões importantes (saúde, escola, atividades), assegurando que são percecionadas como escolhas partilhadas.
- Expressão emocional segura: validar sentimentos, permitir a manifestação de saudades do outro pai ou mãe e evitar lealdades divididas.
- Rede de suporte: envolver a família alargada (avós, tios, primos) para cultivar um clima positivo entre todos, assim como a escola e os serviços de saúde como parceiros de proximidade.
O que aumenta o risco?
- Desqualificação do outro pai ou mãe: direta ou indiretamente (ex.: “não contes com isso, já sabes como é o teu pai”; “a tua mãe nunca percebe nada”), seja presencialmente, seja por mensagens ou telefone.
- Conflito persistente: instrumentalização dos/as filhos/as ou pedidos mais ou menos explícitos, para que “escolham” um deles (pai ou mãe).
- Pedido de informações pessoais: querer saber informações pessoais da vida do/a outro/a através das crianças.
- Mudanças bruscas e imprevisíveis: alterações repentinas nas rotinas familiares.
- Partilha de temas de adultos: envolver a criança ou jovem em assuntos como processos judiciais ou questões financeiras.
- Falta de comunicação parental: omitir informação clínica ou escolar relevante.
Que boas práticas de coparentalidade podemos adotar?
- Escolher canais claros de comunicação: utilizar e-mail, agenda partilhada ou aplicação neutra, evitando discussões nas interações necessárias.
- Definir um plano parental simples e concreto: incluir horários, férias, feriados, decisões de saúde e escola, bem como contactos intermédios.
- Garantir continuidade de rotinas: sono, alimentação, tarefas escolares e regras básicas semelhantes entre casas.
- Informar a criança com linguagem adequada à idade: sem culpas, transmitindo segurança e previsibilidade.
- Elogiar a relação da criança ou jovem com o outro pai ou mãe: valorizar atividades que fizeram juntos, cuidados e atenções recebidos.
- Demonstrar satisfação com o tempo partilhado com o outro pai ou mãe: mostrar contentamento nas transições e nas partilhas que a criança ou jovem faz sobre esses momentos.
- Cuidar de si para cuidar melhor: encontrar formas de gerir o stress do dia-a-dia, manter interesses e atividades próprias, procurar apoio psicológico quando necessário.
- Continuar a criar memórias felizes: valorizar cada momento partilhado com os/as filhos/as.
Notas de bolso para pais e mães
- Falem sobre os/as filhos, não através deles/as – nunca usem a criança ou o jovem como mensageiro.
- Planeiem com antecedência e cumpram o combinado – é importante que a criança ou jovem saiba com o que contar.
- Se errarem, reparem – peçam desculpa e ajustem. É pelo exemplo que se educa.
- Lembrem-se que a criança tem apenas uma infância – são vocês que têm o superpoder de a tornar segura e amorosa.
Quando pedir ajuda?
Altos e baixos na gestão das emoções e relações fazem parte de qualquer processo de separação. No entanto, quando o descontrolo emocional se torna frequente, ou quando a comunicação se enche de ruído, pedir ajuda pode fazer a diferença. A psicologia clínica e a terapia familiar podem apoiar na reorganização de papéis, na redução do conflito e na promoção de competências parentais.
Em situações de elevado conflito, a articulação com a escola, os cuidados de saúde e, quando aplicável, com as entidades competentes, é essencial para proteger o superior interesse da criança.
- Por: Neusa Patuleia, psicóloga e terapeuta familiar, vogal da Direção da Delegação Regional Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses;
- Por: Catarina Rivero, psicóloga e terapeuta familiar.
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