Há decisões laborais que surpreendem pela forma como começam e pela forma como terminam. Foi o que aconteceu a um trabalhador francês que, após mais de 20 anos numa grande empresa do setor energético, acabou despedido sem direito a qualquer indemnização depois de ter sido denunciado pela própria esposa por trabalhar durante uma baixa médica por depressão. O caso ganhou destaque em França e voltou a colocar em debate os limites da lealdade contratual durante uma baixa médica.
A situação teve início quando a mulher do trabalhador enviou uma carta à empresa, em 2016, afirmando que o marido estava a trabalhar para a concorrência enquanto se encontrava de baixa por depressão.
Segundo o testemunho da própria, o mesmo estaria a lecionar cursos de formação e não apresentaria qualquer sintoma compatível com o diagnóstico apresentado à entidade empregadora, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Denúncia da esposa e a investigação interna
No primeiro momento, a empresa recebeu a denúncia com cautela, admitindo que pudesse tratar-se de um conflito pessoal. Ainda assim, decidiu investigar os factos. A empresa concorrente colaborou e entregou calendários e faturas que confirmavam a prestação de serviços remunerados entre novembro de 2015 e janeiro de 2016, período em que o trabalhador estava oficialmente incapacitado para exercer funções.
Foram identificadas oito formações dadas pelo funcionário enquanto permanecia de baixa médica, o que levou à sua convocação para uma entrevista em agosto de 2016. Em dezembro do mesmo ano, foi comunicada a cessação imediata por falta grave, com fundamento no estatuto do pessoal das indústrias elétricas e gasistas.
Contestação do trabalhador e pedido de indemnização
O trabalhador recorreu aos tribunais, reclamando mais de 140 mil euros por danos e prejuízos. Afirmou que não tinha cometido qualquer falta grave, alegando que acreditava poder compatibilizar os dois trabalhos e que a sua atividade paralela não tinha causado prejuízo ao empregador, de acordo com a mesma fonte.
Os tribunais, porém, rejeitaram os seus argumentos. Tanto a primeira instância como o tribunal de apelação concluíram que os factos estavam devidamente provados e que a violação do regulamento interno era suficiente para justificar o despedimento disciplinar. A decisão apoiou-se especialmente na norma que determina que desempenhar trabalho remunerado durante uma baixa por doença constitui falta grave.
Decisão final: despedimento procedente e sem indemnização
O trabalhador ainda recorreu para o tribunal de cassação, equivalente ao Supremo Tribunal, mas sem sucesso. Em junho deste ano, o tribunal confirmou integralmente a decisão anterior e reiterou que trabalhar para outro empregador durante uma baixa médica representa uma violação grave das regras do estatuto profissional, mesmo que não exista prejuízo direto para a empresa.
Assim, o despedimento disciplinar manteve-se válido e sem direito a qualquer compensação, de acordo com o Noticias Trabajo.
Enquadramento do caso à luz da legislação portuguesa
Em Portugal, situações semelhantes seriam analisadas ao abrigo das regras do Código do Trabalho, que impõem ao trabalhador deveres de lealdade, assiduidade e diligência, previstos no artigo 128.º.
A prestação de atividade profissional remunerada durante uma baixa médica constitui, regra geral, violação grave desses deveres, podendo configurar justa causa para despedimento, nos termos do artigo 351.º.
Decisões dos tribunais portugueses
Os tribunais portugueses têm decidido reiteradamente que o exercício de outro trabalho durante uma baixa por doença põe em causa a confiança essencial à relação laboral, sobretudo se demonstrar que o trabalhador não estava impossibilitado de exercer funções.
Acresce que a fraude à entidade empregadora ou à Segurança Social pode constituir infração disciplinar e, em certos casos, ilícito penal.
O processo disciplinar português exige o cumprimento integral das garantias de defesa do trabalhador, nomeadamente a emissão de nota de culpa e a possibilidade de apresentar resposta, segundo os artigos 353.º a 357.º do Código do Trabalho. Uma vez provada a infração, e verificada a quebra irreversível de confiança, o despedimento disciplinar é considerado procedente, sem direito a indemnização, tal como ocorreu no caso francês.
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