O arroz basmati, conhecido pelo seu grão longo e aroma inconfundível, tornou-se o centro de uma disputa diplomática que ultrapassa fronteiras e chega agora a Bruxelas. Índia e Paquistão reclamam a paternidade deste símbolo da culinária asiática, obrigando a Comissão Europeia a intervir num impasse que mistura tradição, comércio e geopolítica. De acordo com a Euronews, a questão tem ganho peso no contexto das negociações para um acordo comercial entre a União Europeia e a Índia, onde o basmati é uma das peças mais delicadas do tabuleiro.
Segundo a publicação, o comissário europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, admitiu que o dossiê do basmati está entre os temas mais sensíveis da negociação. O problema é simples de enunciar, mas difícil de resolver: quem tem o direito de usar o nome basmati: a Índia, o Paquistão ou ambos?
O arroz que atravessa fronteiras e rivalidades
O basmati é cultivado há séculos nas férteis planícies do Punjab, uma região que hoje está dividida entre a Índia e o Paquistão. É considerado um produto de origem partilhada, mas cada país quer o reconhecimento exclusivo da indicação geográfica (IG) no mercado europeu. Esse estatuto garante o uso exclusivo do nome e protege o produto contra imitações, o que tem enorme valor económico.
A Euronews explica que a Índia pretende registar o basmati como um produto de origem indiana, citando a sua importância cultural e histórica. O Paquistão, por outro lado, argumenta que o arroz é igualmente cultivado do seu lado da fronteira, incluindo em zonas da Caxemira, território em disputa entre os dois países desde 1947.
Quando o arroz virou caso diplomático
Em 2018, a Índia apresentou à Comissão Europeia um pedido para registar o basmati como produto exclusivamente indiano, descrevendo-o como um arroz “de aroma requintado, sabor doce e textura suave”, proveniente das planícies indo-gangéticas. O Paquistão respondeu cinco anos depois, em 2023, com o seu próprio pedido, que inclui quatro distritos da Caxemira no mapa de origem: Mirpur, Bhimber, Poonch e Bagh.
Esta sobreposição de pedidos colocou Bruxelas numa posição desconfortável. Segundo a Euronews, a Comissão Europeia tenta agora mediar uma solução sem se envolver diretamente no conflito territorial, uma tarefa que especialistas consideram quase impossível.
Um conflito que já vem de longe
A disputa atual tem raízes num passado de cooperação interrompida. No final da década de 1990, Índia e Paquistão uniram esforços contra a empresa americana RiceTec, que tinha registado uma patente sobre o arroz basmati nos Estados Unidos. A vitória conjunta, que levou à revogação da patente em 2001, parecia anunciar uma nova era de entendimento entre os dois países.
No entanto, as tensões políticas reemergiram após os atentados de Bombaim em 2008, levando a Índia a desistir de um pedido conjunto e a avançar sozinha. Desde então, as tentativas de entendimento têm fracassado, com cada país a reivindicar o direito de proteger a sua versão do basmati no mercado europeu.
Bruxelas no fio da navalha
Para a União Europeia, o caso é mais do que uma questão agrícola. A proteção das indicações geográficas é um tema central nas negociações comerciais, e o basmati tornou-se um teste à habilidade diplomática europeia. “A Comissão está a tentar desativar um conflito geopolítico”, afirmou o especialista em marcas registadas Matteo Mariano, do escritório Novagraaf, citado pela Euronews.
Segundo o mesmo especialista, Bruxelas poderia simplesmente aplicar o princípio “primeiro a chegar, primeiro a ser servido”, mas optou por não o fazer, precisamente para evitar tomar partido num conflito histórico.
O arroz que continua a dividir, mesmo à mesa
Enquanto a União Europeia procura uma saída diplomática, o basmati continua a ser exportado por ambos os países para todo o mundo, incluindo para Portugal, sem que os consumidores saibam exatamente de onde vem o grão. Para já, a Comissão tenta manter o equilíbrio, sabendo que qualquer decisão poderá gerar repercussões políticas e comerciais.
Como resume a Euronews, o arroz que deveria unir culturas e paladares transformou-se num símbolo de rivalidade e diplomacia delicada, onde até o mais simples dos pratos tem sabor a política.
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