Diz-se por aí — e com razão — que a política é a arte do possível. Mas há quem a tenha reinventado como a arte do impossível, do inverosímil e, por que não dizê-lo, do absolutamente contraditório. Refiro-me, pois, ao fenómeno político que dá pelo nome de André Ventura, esse D. Quixote de Algueirão que, em vez de moinhos, investe contra minorias, instituições e, quando calha, contra o bom senso.
O seu partido, batizado com a subtileza de um pontapé na porta — “Chega” — é, desde logo, uma interjeição. Um grito. Um basta. Um murro na mesa. Mas, como todo bom grito, ecoa mais do que explica. E o que ecoa, meus senhores, é um paradoxo digno de figurar nas páginas mais delirantes de um romance oitocentista: chega de tudo… menos de mim.

Jurista
O seu projeto político é, pois, uma espécie de pastel de nata com pimenta: parece tradicional, mas arde na boca. Promete ordem, mas cultiva o tumulto
Porque se há coisa que não chega, que nunca chega, que está sempre a caminho, é o próprio Ventura. Chega à televisão, chega ao Parlamento, chega às redes sociais, chega aos comícios, chega às feiras, chega às romarias, chega até aos sonhos (ou pesadelos) de quem já só queria um pouco de silêncio. E quando, por fim, julgamos que chegou ao seu limite, ei-lo que chega outra vez — desta feita, com mais um soundbite, mais uma indignação, mais um “eu é que sou o povo”.
Eça, se por cá andasse, talvez o retratasse como um Conselheiro Acácio de bigode farpado, sempre pronto a proclamar verdades absolutas com a solenidade de um oráculo de feira. Ou talvez como um Jacinto às avessas: em vez de se desencantar com Paris, desencanta-se com Portugal — mas sem nunca abdicar do palco.
O seu projeto político é, pois, uma espécie de pastel de nata com pimenta: parece tradicional, mas arde na boca. Promete ordem, mas cultiva o tumulto. Clama por moralidade, mas vive da indignação. E, acima de tudo, exige que todos se calem — menos ele.
Chega de corrupção, mas não de populismo. Chega de elites, mas não de egos. Chega de Estado, mas não de Estado de alma. Chega de tudo, enfim… menos da sua própria omnipresença.
E assim seguimos, nós, os espetadores deste teatro de sombras, onde o protagonista se multiplica em espelhos e o aplauso é medido em likes. Talvez um dia, quando o país acordar deste transe retórico, alguém diga: “Chega, sim — mas mesmo a sério.”
Até lá, resta-nos o consolo da ironia. Porque, como diria o nosso Eça, “há coisas que só a caricatura explica”. E Ventura, com toda a pompa democrática que merece, é uma dessas coisas.
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