A forma como os migrantes são recebidos nas sociedades europeias depende de muito mais do que o simples facto de atravessarem uma fronteira. Um estudo recente da Universidade de Harvard revela que fatores como a estabilidade profissional, o nível de formação e a fluência na língua local têm um peso decisivo na aceitação social, especialmente quando se trata de mulheres. Já os migrantes que chegam sem documentos legais ou com limitações físicas enfrentam uma rejeição muito mais acentuada na Europa
O trabalho, citado pelo jornal espanhol El Confidencial, analisou cem estudos realizados em 36 países e estabeleceu um sistema de pontuação que mede o grau de aceitação dos migrantes. As conclusões mostram uma surpreendente uniformidade entre as sociedades, ainda que influenciada por aspetos ideológicos e económicos.
Equação da aceitação
Segundo o estudo, o perfil mais bem visto é o de um migrante com emprego estável, formação superior ou técnica, domínio da língua local e família no país de acolhimento. Por contraste, homens solteiros, muçulmanos e oriundos de contextos de pobreza extrema ocupam o fundo da tabela.
Os investigadores explicam que as motivações para migrar também pesam na perceção pública. Quem parte em busca de melhores oportunidades de trabalho é geralmente mais bem recebido do que quem foge da miséria. “O tratamento não é o mesmo para quem migra em busca de um prato de arroz e para quem o faz em busca de um prato de arroz com lagosta”, sintetiza o relatório.
Impacto da pandemia e da economia
Desde a pandemia, a preferência por migrantes jovens, qualificados e com emprego duplicou, de acordo com a mesma fonte. O mesmo se aplica aos que falam fluentemente a língua do país de destino e provêm de democracias estáveis. Ter família no país de acolhimento tornou-se outro fator de valorização.
Entre as pessoas com rendimentos baixos, observa-se maior aceitação de migrantes qualificados, motivada pelo receio da concorrência laboral. Já entre os mais abastados, há mais empatia com quem perdeu familiares ou sofreu deslocações forçadas.
Ideologia e preconceito cultural
A tendência política dos inquiridos revelou-se determinante, segundo a mesma fonte. Aqueles com posições mais conservadoras preferem migrantes vindos de democracias ocidentais, com religiões e culturas semelhantes, evitando os que apresentam deficiências ou traumas de guerra.
Por outro lado, quem se identifica com a esquerda tende a acolher melhor os que fogem da violência, mas demonstra maior resistência em relação aos que migram por motivos económicos. Geograficamente, os europeus ocidentais mostram mais empatia pelos refugiados de guerra do que os americanos, embora os migrantes africanos continuem a ser os mais rejeitados na Europa.
Histórias por detrás dos números
O estudo de Harvard inclui exemplos reais que ilustram os dados. Olena, ucraniana, fugiu da guerra em 2022 e percorreu quilómetros a pé até chegar à Polónia, antes de se reunir com a família em Portugal. Jovem, com formação pós-graduada e experiência profissional, representa o tipo de migrante mais aceite nos países europeus.
Segundo Carmen González Enríquez, do Instituto Real Elcano, “a maioria dos refugiados que chegou no início da invasão eram mulheres com filhos, o que facilitou a integração”.
Já a investigadora Rosa Aparicio, do Instituto Universitário Ortega-Marañón, sublinha, citada pela mesma fonte, que “os migrantes da América Latina são os não europeus mais bem aceites”, sobretudo pela partilha linguística e cultural.
Mas a religião continua a ser um fator de separação. “Os migrantes que professam religiões diferentes da maioria, especialmente o Islão, enfrentam maior resistência, pois as diferenças culturais influenciam os juízos morais”, acrescenta Aparicio.
Identidade, pertença e respeito
O maliano Ibrahima Sow chegou a Espanha em 2001 e vive hoje como intérprete e membro da Federação das Associações Africanas da Região de Múrcia. “Sou espanhol, mesmo sendo negro. Vivo aqui há 24 anos e pago impostos. Qualquer pessoa pode ser muçulmana, cristã ou ateia, desde que respeite os outros”, afirma de acordo com o El Confidencial.
A sua história sintetiza a conclusão do estudo: a integração depende tanto da perceção social como da capacidade de cada migrante em construir uma nova pertença. E, acima de tudo, de uma sociedade disposta a olhar além das diferenças.
Leia também: Pensionistas nascidos entre estas datas vão ter direito à reforma sem penalizações se cumprirem estes requisitos
















