A guerra entre a Ucrânia e a Rússia remete-nos para a análise do processo histórico do projeto europeu. No passado, as origens do projeto europeu e a tentativa malsucedida da Comunidade Europeia de Defesa de 1952. No presente, 75 anos depois, uma guerra existencial na fronteira leste da Europa e uma crise grave no seio da OTAN. Finalmente, o tempo do futuro, interroga-nos a propósito da reconfiguração do projeto político europeu, confrontado com a hostilidade dos EUA e da Rússia e no limiar de um novo mundo multipolar.
Revisitemos, então, brevemente, o tempo histórico da fundação. No início de 1950, o desenvolvimento da Guerra Fria colocou o crescimento do bloco soviético no topo das prioridades dos países europeus. Os acontecimentos em Praga (1948) e a Guerra da Coreia (1950) indiciavam um crescimento da esfera de influência da União Soviética. Rapidamente, os EUA apelaram a um rearmamento alemão e o presidente francês, René Pleven, subscreveu a proposta de Winston Churchill para a constituição de um exército europeu. A Comunidade Europeia de Defesa (CED) foi proposta em 1950, com base na ideia de criação de uma força militar integrada, financiada por um orçamento comum e dirigida por uma autoridade política supranacional. O projeto da CED fundou-se no Tratado de Paris de 1952, assinado em 27 de maio desse ano pela Bélgica, República Federal da Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Será rejeitado pelo Parlamento francês em 30 de agosto 1954, sendo definitivamente abandonado.
A Defesa, enquanto área de ação política das Comunidades e de integração europeia, seria retomada pelos Estados-Membros da UE apenas em 1992, com o Tratado de Maastricht e mais tarde com o Tratado de Lisboa assinado em 13 de dezembro de 2007. Lembremos, de passagem, o que nos diz o tratado de Lisboa (2007) sobre a política comum de segurança e defesa (artigos 42º a 46º): o artigo 42, nº5, o Conselho pode confiar uma missão a um grupo de Estados membros que, para o efeito, podem constituir uma cooperação estruturada permanente, o artigo 43, nº1 refere as missões de restabelecimento da paz e operações de estabilização no termo de conflitos, o artigo 44, nº1 refere-se às missões especificas, por fim, o artigo 45 consagra a agência europeia de defesa, finalmente, o artigo 46 define os termos da cooperação estruturada permanente
As debilidades geoestratégicas da Europa em matéria de segurança e defesa
Vejamos, agora, no quadro do atual contexto geopolítico, as principais debilidades geoestratégicas da Europa em matéria de segurança e defesa.
1. O decoupling americano em matéria de relações transatlânticas: a prioridade geoestratégica dos EUA está, doravante, no indo-pacifico, isto é, a defesa e segurança da Ucrânia é, doravante, um problema essencialmente europeu.
2. O normativismo dos ideais versus o pragmatismo dos interesses: o direito, a razão e a ética não vencem guerras, o poder da força e a força do poder vencem guerras, a Europa não tem força, o problema da Europa é a sua fraqueza e o plano de rearmamento da Europa não se improvisa.
3. As debilidades da atual defesa europeia: a fragmentação da indústria de defesa, a reduzida interoperabilidade dos sistemas militares nacionais, a dependência de tecnologia e logística norte-americana, que tipo de coordenação, liderança e forças conjuntas, a dificuldade de projeção do poder europeu no plano internacional.
4. A reduzida escala nuclear europeia para efeitos de dissuasão: o conceito europeu de autonomia geoestratégica e a eventual extensão do guarda-chuva nuclear da França e do Reino Unido a toda a Europa precisam de ser profundamente discutidos.
5. A falta de uma cultura comum em matéria de segurança e guerra híbrida: as guerras do amanhã são complexos ecossistemas tecnológicos de armas, informação, dados, satélites, campos eletromagnéticos, objeto de atualizações e interferências constantes entre fornecedores e compradores.
6. A debilidade e autonomia geoestratégica da União Europeia: a ausência de um cluster tecno-digital de dimensão europeia e mundial e a escassez europeia de minerais e terras raras requerem que, a curto prazo, a diplomacia multilateral da União Europeia em matéria de segurança e cooperação transnacional seja muito exigente; o mesmo se diga em relação às garantias de segurança europeia prestadas à Ucrânia.
7. O frágil policy-making decision em matéria de segurança e defesa: a Europa é lenta, mas o mundo não o é e não espera por nós, a formação de uma Comunidade Europeia de Segurança e Defesa para lá da atual União Europeia e com base numa coligação de Estados europeus é uma possibilidade em aberto.
8. A debilidade do mercado de capitais europeu para a defesa: o plano para rearmar a Europa refere um acréscimo médio de 1,5% do PIB nos próximos 4 anos, a suspensão dos procedimentos por défices excessivos, novas reafectações dos fundos europeus para a defesa e a mobilização de meios financeiros do sistema bancário e financeiro para a defesa europeia.
9. A debilidade do sistema normativo internacional de cooperação multilateral: a mediação e intermediação das organizações internacionais está posta em causa, os protocolos de cooperação e ajuda internacionais são substituídos por esferas de influência e realinhamentos forçados impostos pelas autocracias em ascensão; a União Europeia não tem hard power suficiente para entrar e moderar este jogo.
10. A eventual relutância das opiniões públicas nacionais em matéria de segurança e defesa: assim será se as relações com a administração americana forem tensas e as expetativas acerca das negociações para um cessar-fogo e para a paz entre a Ucrânia e a Rússia forem ressentidas como uma humilhação para a Ucrânia e a União Europeia.
Aqui chegados, o tempo joga manifestamente contra os interesses da Ucrânia e da Europa, pois, a curto prazo, durante os quatro anos do mandato de Donald Trump não haverá mudanças substanciais nas capacidades geoestratégicas da Europa, ou seja, a segurança e defesa da Ucrânia e da Europa dependerão diretamente dos interesses e da vontade dos EUA e, bem assim, do acordo que os EUA, enquanto mediadores e intermediários do conflito, realizarão com a Federação russa. Dito isto, talvez seja útil deixar algumas interrogações que me parecem pertinentes, (dia 6 de março), para tornar, porventura, ainda mais complexa a solução do conflito.
Em primeiro lugar, como salvaguardar a integridade territorial e a soberania da Ucrânia? Em segundo lugar, como se materializam no terreno, e em que terreno, as garantias de segurança contra novas invasões russas? Em terceiro lugar, qual o papel e função do negócio das terras raras em todo o processo de negociação, moeda de troca negocial ou predação de recursos pura e dura? Em quarto lugar, o eventual congelamento da guerra e das zonas ocupadas serve a quem e para quê? Por último, quem paga a reconstrução da Ucrânia, quem decide, em última instância, sobre os ativos russos e as sanções aplicáveis?
Ficam as interrogações para os próximos episódios.
Artigo publicado no Público.
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