Num ambiente profissional, a confiança é um dos pilares mais importantes da relação entre trabalhador e empresa. Quando essa confiança é quebrada, as consequências podem ser sérias e imediatas, sobretudo em casos que envolvem bens da entidade empregadora. A história que se segue é um exemplo claro de como a Justiça reage perante situações em que se põe em causa a boa fé no local de trabalho, como aconteceu com este funcionário do El Corte Inglés.
O Tribunal Superior de Justiça de Madrid confirmou o despedimento de um trabalhador de El Corte Inglés, com mais de 30 anos de casa, depois de ter sido apanhado a tentar sair do supermercado com quatro sacos cheios de produtos sem pagar. Segundo o acórdão n.º 810/2021, a decisão do tribunal reconheceu o despedimento como disciplinar e totalmente procedente.
Este funcionário, que trabalhava desde 1990 no centro de Callao, em Madrid, exercia funções de receção de mercadorias e auferia um salário bruto mensal de 1.957,81 euros. Em setembro de 2020, foi intercetado à saída do local de trabalho com vários sacos que continham queijo de ovelha, carne e um acessório para batedeira. Nenhum dos produtos estava acompanhado de fatura ou autorização de retirada, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Versão do trabalhador
Na sua defesa, o funcionário alegou que os artigos em causa não pertenciam à empresa, afirmando tratar-se de ofertas de fornecedores e de produtos deteriorados. Contudo, a empresa sustentou que se tratava de mercadoria ainda em bom estado, além de outros artigos com pequenas “quebras” que, mesmo assim, não podiam ser retirados do supermercado sem autorização, uma vez que seriam doados ao Banco Alimentar.
O El Corte Inglés procedeu ao despedimento no dia 6 de outubro de 2020, com base em violação grave das normas internas e apropriação indevida de produtos. O trabalhador impugnou a decisão, pedindo que o despedimento fosse considerado improcedente, argumentando que não existia prejuízo económico nem intenção de obter lucro pessoal.
Primeiro julgamento
O Juzgado de lo Social n.º 30 de Madrid rejeitou o pedido do trabalhador e validou o despedimento. O tribunal considerou provado que o colaborador tentou levar produtos do supermercado sem pagar e sem apresentar o respetivo comprovativo de compra, o que violava claramente os regulamentos internos, de acordo com a mesma fonte.
A decisão destacou que o trabalhador conhecia as regras: para retirar qualquer artigo do estabelecimento, era obrigatório possuir um ticket de compra e uma autorização assinada. O incumprimento destas normas foi qualificado como falta muito grave ao abrigo do artigo 54.2.d do Estatuto dos Trabalhadores espanhol, o que justifica um despedimento disciplinar sem indemnização nem salários de tramitação.
Tribunal Superior de Justiça confirma a decisão
A instância superior confirmou integralmente a sentença inicial. O Tribunal Superior de Justiça de Madrid entendeu que os factos demonstravam uma quebra da boa fé contratual e um abuso de confiança por parte do trabalhador.
Mesmo tendo o funcionário alegado que a empresa não era proprietária dos produtos, o tribunal considerou que tal argumento não eliminava a responsabilidade. A tentativa de retirar mercadoria sem autorização constituía uma violação direta dos deveres de lealdade e probidade exigidos em qualquer relação laboral.
Importância da boa fé no local de trabalho
O tribunal recordou ainda que, segundo a jurisprudência do Tribunal Supremo, o simples facto de não haver prejuízo económico direto não diminui a gravidade da infração. O que está em causa é o comportamento contrário à confiança e à ética profissional que se espera de qualquer trabalhador. Assim, o despedimento foi considerado uma medida proporcional e justificada, de acordo com o Noticias Trabajo.
E se acontecesse em Portugal?
Em território português, uma situação idêntica teria enquadramento semelhante. O Código do Trabalho, no artigo 351.º, prevê o despedimento por justa causa, quando o comportamento do trabalhador torna “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”. Entre as causas que o justificam está a violação grave dos deveres de lealdade e honestidade.
Levar produtos de uma empresa sem autorização enquadra-se precisamente nesta categoria. Tal ato constitui uma quebra da boa fé e um abuso de confiança, podendo configurar uma infração disciplinar muito grave.
Em Portugal, este tipo de conduta pode ainda, em certos casos, ser considerado crime de abuso de confiança previsto no artigo 205.º do Código Penal, caso exista apropriação ilegítima de bens alheios em prejuízo do empregador.
Assim, se o episódio tivesse ocorrido num supermercado português, o desfecho seria, muito provavelmente, o mesmo: despedimento com justa causa, sem direito a indemnização nem compensação, por quebra irreversível da confiança entre o trabalhador e a empresa.
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