Trabalhar a tempo inteiro e, ainda assim, viver em risco de pobreza é uma realidade cada vez mais comum neste país. O novo relatório Panorama Social 2025, da Câmara dos Assalariados (Chambre des Salariés, CSL), traça um retrato preocupante no Luxemburgo: ganhar o salário mínimo já não chega para garantir uma vida digna no país.
O documento, divulgado esta semana e analisado pelo portal luxemburguês Contacto, mostra que um casal com dois filhos e rendimento mensal de 5.282 euros, incluindo apoios familiares, vive abaixo do limiar da pobreza, fixado nos 5.842 euros. Mesmo somando as ajudas do Estado, o valor não é suficiente para cobrir todas as despesas essenciais de um agregado familiar.
Trabalhar já não protege da pobreza
“Parece cada vez mais claro que, no Luxemburgo, o trabalho está longe de proteger contra a pobreza”, alerta Nora Back, presidente da CSL, no relatório. Segundo os dados da instituição, 14% dos trabalhadores assalariados estão em risco de precariedade, a taxa mais alta de toda a zona euro.
O secretário-geral da Câmara, David Angel, reforça o apelo: “Um salário mínimo deveria permitir viver acima do limiar da pobreza, sem necessidade de apoios sociais”. Para a organização, o sistema atual está a falhar precisamente onde devia proteger — nos rendimentos de quem trabalha.
A matemática que não bate certo
O relatório desmonta o mito de que “quem trabalha não é pobre”. Um casal com dois filhos de 12 e 15 anos, com ambos os adultos a ganhar o salário mínimo líquido, recebe 5.282 euros por mês, incluindo subsídios familiares. No entanto, esse valor é inferior em mais de 500 euros ao limiar de pobreza.
Mesmo o chamado “orçamento de referência”, o valor mínimo necessário para cobrir despesas básicas, fica muito próximo, nos 4.985 euros. Ou seja, estas famílias vivem constantemente no fio da navalha, sem margem para imprevistos.
Famílias monoparentais em maior risco
A situação agrava-se nas famílias monoparentais. Um adulto com um filho de 18 meses, ganhando o salário mínimo e recebendo ajudas do Estado, tem um rendimento mensal de 2.880 euros. O problema é que o limiar da pobreza para este agregado é de 3.302 euros, e o orçamento de referência sobe aos 3.143.
A diferença, embora pareça pequena, traduz-se em renúncias diárias: contas em atraso, cortes na alimentação e impossibilidade de poupança. A CSL considera que estas famílias são “as mais vulneráveis e expostas à exclusão social”.
Viver sozinho também é sinónimo de precariedade
Um adulto solteiro com o salário mínimo líquido, atualmente 2.225 euros mensais, também vive abaixo do limiar de pobreza, fixado em 2.540 euros. Mesmo assim, o seu rendimento é inferior ao orçamento de referência (2.482 euros), o que mostra que nem quem vive sozinho escapa à pressão dos custos.
A diferença de apenas algumas centenas de euros faz toda a diferença num país onde as rendas de habitação e os preços dos bens essenciais estão entre os mais altos da Europa.
Os poucos que escapam ao limiar
De acordo com o relatório citado pelo Contacto, apenas casais sem filhos ou com um bebé de seis meses conseguem viver ligeiramente acima do limiar de pobreza. Um casal sem filhos aufere 4.457 euros, valor superior ao limiar de 3.810 euros e ao orçamento de referência (3.121 euros).
Mesmo nestes casos, porém, o equilíbrio é frágil: basta um aumento da renda ou uma despesa médica inesperada para voltar a cair na precariedade.
Uma questão de dignidade
A Câmara dos Assalariados insiste que o salário mínimo deve ser suficiente para garantir uma vida digna e autónoma, sem depender de apoios públicos. “Num país tão próspero como o Luxemburgo, o rendimento do trabalho devia bastar para afastar as famílias da pobreza”, defende David Angel.
Para muitos, essa frase resume a contradição do Grão-Ducado: uma economia poderosa, mas com um número crescente de trabalhadores pobres.
O dilema da solidariedade
O relatório levanta ainda uma questão política sensível: deve o Estado compensar as falhas dos salários através de apoios sociais permanentes? Para a CSL, a resposta é não. A solidariedade deve existir, mas não para tapar lacunas estruturais do mercado laboral. Enquanto o debate continua, milhares de famílias continuam presas entre o emprego e a pobreza, trabalham, mas não chegam ao fim do mês com segurança.
No Luxemburgo, o desafio deixou de ser encontrar trabalho. O problema, agora, é o valor que esse trabalho realmente vale.
















