Desde há muito tempo que a arte e a ciência andam interligadas, sendo os primeiros grandes cientistas identificados na história também como artistas, sendo Leonardo Da Vinci um dos principais exemplos, e várias produções visuais surgem na história da ciência e também na história da arte, como é o caso das cerca de 600 pinturas e 1500 gravuras descobertas nas cavernas de Lascaux, no sul de França, realizadas antes de 10.000aC, no período paleolítico.
Várias vezes a arte se revelou essencial na ciência, através da utilização da imagem visual. Uma situação de “encontro” entre o cientista e o artista, é aquela em que o cientista precisa da imagem para comunicar sobre o seu trabalho. Por exemplo, a história mostra-nos que, sem a perceção artística da perspetiva, Galileu certamente não teria feito a descrição da superfície da Lua em 1610, quando a observava com o recém-inventado telescópio, desenhando-a com crateras e sombras, em ângulos diferentes, de acordo com a posição do Sol, descrição que produziu um importante impacto na visão cosmológica. Já no século XVI, quando o estudo da anatomia era dificultado pela proibição de dissecar cadáveres, haviam sido chamados artistas para colaborar com os cientistas, permitindo tornar compreensível e mais rigorosa a descrição da realidade.
Assim, através do poder da imagem, a arte tem sido essencial, em vários momentos históricos, para a introdução de novos pontos de vista na ciência.
Embora na atualidade a fotografia possa ser também usada no processo de ilustração, no passado o desenho era a técnica mais usada para criar imagens ilustrativas da realidade.
Não havendo outras formas de “retratar” a realidade, muito do avanço científico ocorrido ao longo dos séculos contou com o suporte essencial da ilustração.
Isto aconteceu em diversas ciências, em particular nas ciências ditas “da natureza”. Por exemplo, no trabalho de Darwin sobre a teoria da evolução das espécies foi utilizada a ilustração com grande frequência, considerando-se que Darwin deixou mais de 1000 ilustrações nos seus estudos.
A medicina foi outro domínio em que ocorreu um uso frequente da ilustração, em particular no estudo da anatomia humana.
As questões ligadas ao universo, e ao tempo x espaço do mesmo, são daquelas sobre as quais atualmente mais ilustrações incidem. Por exemplo, para ilustrar a percentagem daquilo que existe no universo, Pablo Budassi criou uma imagem em que apenas cerca de 5% da densidade do universo é composto por matéria comum (planetas e estrelas), sendo o restante energia escura.
Desta forma, a ilustração permite a criação de imagens que possibilitam “visualizar” aquilo que ainda não é visível ao olho humano, mesmo utilizando técnicas que permitem aumentar de forma muito significativa o tamanho da realidade observável, como seja o microscópio ou o telescópio.
Atualmente, o “tornar visível o invisível” tem ocorrido sobretudo através da fotografia, havendo grande ampliação das imagens visuais, nomeadamente do universo, do corpo humano ou de micro-organismos.
No caso do universo, por exemplo as fotos fornecidas pela NASA da Nebulosa do Caranguejo, permitem examinar em detalhe a estrutura dessa estrela morta.
No que diz respeito ao cérebro humano, destacaria a exposição “Cérebro: mais vasto que o céu”, que ocorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, entre março e junho deste ano, permitindo uma “viagem” à origem e complexidade do cérebro humano.
Quanto aos micro-organismos, destacaria que no passado dia 18 de novembro ocorreram as comemorações do Dia Europeu do Antibiótico, culminando a Semana Mundial dos Antibióticos, iniciada no dia 14, tendo como principal objetivo sensibilizar para a importância duma adequada utilização dos antibióticos, nomeadamente devido ao alarmante aumento da resistência aos antibióticos que várias “super-bactérias” revelam. Se nada for feito, estima-se que morram 10 milhões de pessoas por ano, em 2050.
Um dos exemplos de bactéria ultra-resistente é a CRE, a qual pode transmitir-se sem sintomas, tendo sido responsável por mais de 10.000 infeções que resultaram em várias centenas de mortes nos EUA, em 2018. Em vários casos, a CRE resistiu aos 26 tipos de antibióticos existentes no país.
É também microscópico aquele que é considerado “o animal mais resistente da natureza”. Tem oito pernas, olhos, nervos, músculos e uma boca como um focinho, medindo cerca de 0,05mm. Designado por tardígrado, ou “ urso de água”, por causa de sua aparência e da lentidão de seus movimentos, pode sobreviver por anos nas condições mais extremas, nomeadamente no vácuo do espaço, na água a ferver, no gelo ou no fundo do mar. Por exemplo, resistem a radiações cerca de 1000 vezes superiores às que um ser humano pode suportar. Em 2007, vários exemplares de duas espécies de tardígrados foram enviados para o espaço, tendo sido expostos não apenas ao vácuo do espaço, onde é impossível respirar, mas também a níveis de radiação capazes de incinerar um ser humano. De volta ao planeta Terra, um terço deles ainda estava vivo e cerca de 10 % destes foram capazes de reproduzir-se com sucesso. O facto de conseguirem permanecer em estado criptobiótico muito tempo é o “segredo” desta capacidade de sobrevivência.
Assim, a arte visual, quer através da fotografia, quer através da ilustração, tem permitido tornar visíveis imagens não acessíveis ao olhar humano, contribuindo para apreciar as mesmas e também para aprender com elas, contribuindo para aproximar a ciência e a arte.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de dezembro)