Hoje, em vez de um, vamos mencionar dois laureados Nobel – o do costume, Linus Pauling, e um outro igualmente esquecido, mas recentemente repescado, Otto Warburg. E para terminar esta crónica, ousar defender uma proposta de Prémio Nobel, da Fisiologia e da Medicina, para Thomas Seyfried, um Professor de Biologia e investigador no Boston College.
Relembrando. Linus Pauling não só recebeu o Prémio Nobel da Química de 1954, pela sua descoberta da ligação covalente entre dois ou mais átomos, como também o Premio Nobel da Paz de 1962, e em 1970 o Premio Lenine da Paz da União Soviética, pela sua luta contra a corrida armamentista nuclear.
Mas nas últimas duas décadas da sua vida, também ficou muito conhecido pelo seu esforço quase obsessivo, pelos benefícios de megadoses de Vitamina C, que ele defendia ter um papel muito mais importante do que ser simplesmente um cofator na síntese do colagénio, a proteína mais comum do corpo humano e que promove a ligação das células do tecido conjuntivo.
Outro Prémio Nobel: Otto Heinrich Warburg, nascido em 1993, viveu até 1970 e foi laureado com o Prémio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1931 por sua descoberta da enzima respiratória. Seu trabalho ajudou a compreender a respiração celular, a fotossíntese e o cancro.
E o que liga o trabalho destes dois laureados? O açúcar.
Rapidamente: qual a relação da Vitamina C com o açúcar? Toda a possível. A Vitamina C é sintetizada a partir da glucose, o comummente chamado açúcar. A nós, humanos, e a alguns outros primatas, porquinhos da índia e morcegos, falta-nos uma enzima capaz, que terminaria o passo 4 da conversão do açúcar em ácido ascórbico, a Vitamina C. Portanto, não a sintetizamos, temos obrigatoriamente de a ingerir, senão morremos e é isso que quer dizer ser ‘essencial’.
Por outro lado, o açúcar compete com a Vitamina C para entrar nas células, porque entram pela mesma ‘porta’, ou seja, o recetor GLUT, que migra para a parede celular para deixar entrar, o açúcar ou a Vitamina C, aquele que aparecer primeiro. Se, no sangue há mais açúcar, entra mais açúcar nas células, se, pelo contrário há muita Vitamina C, entra mais Vitamina C e menos açúcar.
E qual a relação do cancro com o açúcar? Nada boa. Otto Warburg descobriu que o consumo de açúcar nas células cancerosas está tremendamente aumentado, quando comparado com as células saudáveis. E o que Warburg elaborou, na prática, é hoje conhecido como o Efeito Warburg, que explica o seguinte:
– As células precisam de nutrientes que transformam em energia, para poderem sobreviver.
– As células digamos ‘normais’, do fígado, do pulmão, do pâncreas, dos músculos, tanto gostam de açúcar, carboidratos, como nutriente, como de gordura, ou lípidos, ou cetonas, que irão ser importantes nesta história mais tarde. Se, numa caixinha de Petri, colocarmos uma cultura de células ‘normais’, e as alimentarmos com açúcar ou com cetonas, elas vivem bem muito obrigada. A isto chama-se flexibilidade metabólica.
– No entanto, no caso de células cancerosas, a coisa é diferente. Porque uma célula cancerosa, por definição, prolifera muito rapidamente; elas precisam de muito açúcar para viver e multiplicar-se, mas, se em vez de açúcar, as tentarmos alimentar só com lípidos, elas morrem.
– Mas morrem porquê? Porque para ‘fabricar energia’ para viver as células podem seguir um de dois caminhos – o primeiro através das mitocôndrias, saudáveis, e em presença de oxigénio, processo que se chama ‘respiração’, e o outro, que acontece na ausência de oxigénio, e que se chama ‘fermentação’, que é o que fazem as nossas amigas bactérias no intestino, onde não há oxigénio.
E agora, aparece mais um personagem, que se eu pudesse votar, seria também laureado Nobel, chamado Prof. Thomas Seyfried, professor de Biologia e investigador no Boston College, que estudou todos os tecidos possível e imaginários de cancro e descobriu que em todas as células cancerosas, sem exceção, as mitocôndrias estão estragadas – ocas, sem aqueles ‘caminhos’ tão característicos, e como diz o investigador ‘da forma vem a função’. E portanto, as células cancerosas não conseguem respirar, só conseguem fermentar, mesmo que em presença de oxigénio.
Ele até diz, com alguma piada, que tem uma aposta permanente com todos os alunos dele, onde prometeu 1000 dólares para quem lhe demonstrar que existe um tipo de célula cancerosa que não fermente. Não é fabuloso? Até hoje, diz ele, ainda não teve de pagar nada.
Obviamente que a Vitamina C também entra nesta história. Na prática, mais vitamina C quer dizer menos açúcar a entrar nas células cancerosas e, portanto, elas teoricamente elas morrem esfomeadas. Mas quem diz mais, tem de ser muito mais, as tais megadoses que só se consegue obter por via intravenosa, ingestão oral não dá para nada, neste aspeto específico de um apoio complementar para o tratamento do cancro.
Mas Thomas Seyfried descobriu também uma outra coisa, que só atrapalha, mas que, na minha modesta opinião, lhe faz merecer um futuro Prémio Nobel da Fisiologia e da Medicina. Descobriu que estas células cancerosas, para além de glucose, que adoram, também conseguem fermentar glutamina, um aminoácido, como nutriente. Portanto, para ‘matar’ o cancro de fome, não basta restringir a glucose, é também necessário restringir a glutamina. E a glutamina é só o aminoácido mais abundante no corpo humano. Bolas! Assim está difícil, e esta a razão porque a ideia de Otto Warburg não tem a visibilidade que merece junto da classe médica e da investigação, só reduzir o açúcar, não basta. É necessário, mas não suficiente. É preciso também reduzir a glutamina.
Portanto, a proposta do Dr. Seyfried para o tratamento do cancro inclui duas partes: uma dieta cetogenica, com uma redução drástica na ingestão de carboidratos, os açucares, substituindo este nutriente por cetonas, que as células saudáveis gostam, mas as cancerígenas, não. Ele até desenvolveu um indicador chamado GKI – Indice de glucose/cetonas, onde já cada paciente oncológico pode controlar a partir de casa.
E uma segunda parte, que tem de ser ministrada com controlo médico, para reduzir, essa tal da glutamina, que não se pode reduzir assim à toa, porque, sinceramente, precisamos desse aminoácido para viver. Tem de ser reduzida assim de repente, durante muito pouco tempo, acreditando que, como as células cancerosas já estão fraquinhas com a falta de açúcar, uma intervenção rápida e segura contra a glutamina lhes dará o golpe de misericórdia.
Este tratamento, que se chama Press-Pulse, ainda é experimental e só há até à data relatos e testemunhos de pessoas já em estágios muito avançados, onde a medicina convencional já não consegue propor mais alternativas. O Press, é a parte contínua do tratamento, ou seja, a redução drástica do açúcar e o consequente aumento dos lípidos chamados cetonas, que alimentam as células boas e deixam esformeadas as células cancerosas; o Pulse é dirigido à redução da glutamina e tem de ser feito de forma rápida e concentrada, mas só de três em três meses.
Temos, portanto, hoje, dois paradigmas distintos para explicar a doença cancerígena – a convencional, que vê o cancro com uma origem genética e que cria as complicações subsequentes, e onde também ninguém duvida do papel do açucar/glucose como fator proliferador das células cancerígenas, e uma outra teoria que vê o cancro como uma doença metabólica com origem na fermentação celular, um mecanismo de respiração alternativo para células com mitocôndrias disfuncionais e onde os efeitos genéticos são uma consequência e não a causa.
O Dr. Seyfried e a sua equipa fizeram estudos muito interessante para testar e comparar estas tuas teorias – in vitro, ou seja, utilizando culturas de tecidos humanos, manipulando os núcleos e as mitocôndrias. Primeiro pegaram em células cancerosas e células saudáveis e trocaram as mitocôndrias dessas células. O que aconteceu? As células anteriormente saudáveis, mas agora com mitocôndrias estragadas, manifestaram comportamentos cancerosos.
E depois fizeram o contrário, pegaram em células cancerosas e saudáveis e trocaram os núcleos. O que observaram? As células anteriormente saudáveis, com mitocôndrias saudáveis, agora com núcleo com DNA canceroso, não manifestaram comportamento canceroso, continuaram saudáveis. Interessante, não acham?
Ah! E para quem sonha com as futuras terapias genéticas para tratamento, personalizado, do cancro, se o cancro não é uma doença com origem genética, que sentido faz? O que o Prof. Seyfried também assinala é que há células cancerígenas sem mutação genética e mutações genéticas que não produzem cancro. Outros investigadores confirmam, (ver aqui), publicam na revista Nature (2024) e comentam:
Esta descoberta obriga-nos a reconsiderar a teoria que, durante mais de 30 anos, assumiu que os cancros são doenças predominantemente genéticas causadas necessariamente por mutações do ADN que se acumulam ao nível do genoma.
Estamos então perante um grande problema, um muro chamado ‘Standard of Care’. Acontece que não há, até à data, grandes estudos clínicos testando esta hipótese da terapia Press-Pulse do Prof. Thomas Seyfried, para tratamento do cancro. Simplesmente não há hospitais que se disponibilizem a selecionar pacientes, não há financiamento, não há classe médica experiente com esta terapêutica para avançar com este estudo. Há muitos casos clínicos publicados, uma pessoa de cada vez, mas não estudos clínicos, de uma determinada população, onde se consiga comparar os resultados destas duas formas muito diferentes de compreender o metabolismo do cancro – a tradicional, que vê o cancro como uma doença genética e uma outra, que vê o cancro como uma doença metabólica, com origem em mitocôndrias estragadas.
Um estudo clínico corretamente feito teria de ter um grupo compreendido por uma população de doentes com cancro tratados com a terapia convencional – radio e quimioterapia – e um outro grupo tratado por Press-Pulse. Convém salientar que no tratamento convencional o paciente recebe uma dose de um produto toxico, um veneno, na dose que, de acordo com a experiência do médico ‘possa matar o cancro, mas não matar o doente’. É isso que acontece? Era bom, mas nem por isso. Muitas vezes o doente acaba por morrer não do cancro, mas da ‘cura’.
O que a equipa do Prof. Seydried está a tentar fazer, no momento, mas ainda sem muito sucesso, mas tentando convencer através de um compromisso, é fazer-se um estudo, com dois grupos, ambos tratados convencionalmente, mas onde só um, complementarmente, esteja também fazer a terapia Press-Pulse e o outro não. E a razão deste protocolo é, supostamente, ética. Simplesmente nenhum estudo seria aprovado para comparar Press-Pulse com placebo, ou seja, nenhum tratamento convencional. Seria contra o que se chama o ‘standard of care’.
É exatamente o que se passa nos estudos sobre aterosclerose e doença coronária – há estudos (link), por exemplo, um grupo toma Niacina (vitamina B3) e o outro não, mas todos estão a tomar Estatinas – o standard of care. Ou ainda um outro (link) parecido que estuda o efeito da Colchicina na redução de risco da doença cardiovascular, que é um medicamento anti-inflamatório vascular muito conhecido e tradicionalmente usado para tratar a doença chamada gota, em doses bem mais elevadas. O estudo, supostamente foi desenhado para comparar Colchicina contra placebo, mas também neste caso, 96% das pessoas envolvidas no estudo estão a tomar Estatinas. Não incluir Estatinas para todos os pacientes seria considerado não ético, seria como privar os pacientes de um tratamento considerado ‘eficaz’ e contrariaria o standard of care.
E é por isto que eu acho que o Prof. Seyfried deveria ganhar um Premio Nobel. Mas esta é só a minha opinião, pessoal, mas também como especialista em marketing, que vale o que vale. Só assim, com a visibilidade de um Premio Nobel, quem de direito poderia começar a ter ‘awareness’ sobre quais as evidencias científicas que já suportam uma teoria, que se opõe à teoria convencional genética, onde muitas vezes o paciente não morre pela doença, mas pela cura. Porque, enquanto for tao lucrativa a indústria de tratamento do cancro, estimado entre 60 e 90 mil euros por ano, por paciente, dificilmente mudará o paradigma.
E quem sabe, talvez a solução passe pela realização de estudos financiados por crowdfunding, ou seja, pelo público, onde famílias se organizam, tal como recentemente aconteceu relativamente às doenças coronárias versus o LDL-colesterol, com os LMHR (Lean Mass Hyper-Responders), como vos contei na crónica passada.
E talvez, também, se muitos de nós conversarmos sobre o tema e divulgarmos os estudos do Prof. Thomas Seyfried et al, junto dos nossos médicos, principalmente este estudo de 2017, “Press-pulse: a novel therapeutic strategy for the metabolic management of cancer”, consigamos aumentar essa tal de ‘awareness’.
Muito resumidamente este estudo diz o seguinte: Press – redução continuada e drástica do açúcar, que não faz mal a ninguém, antes pelo contrário; Pulse – redução intermitente, tipo de três em três meses, da glutamina. O doente fica mais saudável e forte e até cura outras doenças como a diabetes tipo 2, doenças autoimunes e cognitivas, como a epilepsia. (Desculpem, não se pode dizer ‘cura’ mas sim ‘remissão’, que é a mesma coisa, na prática). E tudo isto sem necessidade de estragar o resto das células que estava bem, com tratamentos tóxicos, e caríssimos, como a quimioterapia, radioterapia ou terapia genética. Porque cancro, não é uma doença genética, mas sim uma doença metabólica.
A mim parece-me uma muito boa ideia e muito bem fundamentada também. Será? Faltam os estudos, faltam médicos que queiram publicar estudos de caso e pacientes e famílias que exijam novos tratamentos, mesmo que experimentais, mas menos tóxicos, face aos maus resultados dos atuais.
Defendo: um Premio Nobel para o Prof. Thomas Seyfried! Assim todo o mundo iria discutir este tema e quem sabe, assim se conseguir reduzir drasticamente a mortalidade desta terrível doença chamada Cancro que hoje ainda é considerada incurável.
(continua na próxima semana)

a opinião de TERESA F MENDES
Química e comunicadora de ciência.
Curiosa por natureza.
Humanista por opção.
Disruptiva por defeito.
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