Ontem, pouco depois das onze da manhã, a minha casa fez um barulho estranho. Primeiro o clique do computador a desligar, depois o silêncio do frigorífico a parar, e por fim… o som mais assustador de todos: o Wi-Fi morreu.
Comecei por pensar que era só aqui em casa — quem nunca teve um router com vontade própria? Mas depressa percebi que não era só meu. Era geral. Um apagão. Nacional. E, estranhamente… ninguém sabia o que fazer.
Durante uns minutos andei às voltas. Fui ao quadro elétrico (como se isso resolvesse alguma coisa), liguei o telemóvel e vi que não havia rede. Nada. Nem uma barrinha. Comecei a ouvir passos na escada. Vizinho de cima a descer. Vizinha de baixo a espreitar. E ali estávamos nós, adultos perdidos sem Google, sem GPS, sem Spotify. Um cenário apocalíptico para alguns. Uma pausa bem-vinda para outros.

Professor de Informática no Agrupamento de Escolas João de Deus*
Será que foi mesmo uma falha técnica? Ou um pequeno teste à nossa dependência? À nossa capacidade de sobreviver sem ecrãs? Sem likes? Sem “última hora” a piscar?
As minhas filhas, adolescentes, olharam para mim como se eu fosse o técnico da EDP, o engenheiro da Vodafone e o presidente da República — tudo junto. “Pai, o que se passa?” — perguntou uma delas, aflita. Respondi com a sabedoria que só a maturidade traz: “Não faço ideia, mas se durar até amanhã, temos de descongelar as pizzas.”
Não estava nos meus planos saborear o fim do mundo com humor. Mas, de repente, havia algo ali. O som dos miúdos a jogar à bola na rua. Pessoas a conversar à varanda. O meu vizinho, que nunca me cumprimenta, veio perguntar se eu tinha rádio. Tive vontade de lhe dizer que só tenho Spotify Premium, mas fui buscar um velho transístor ao armário das tralhas. Funcionava.
E nesse instante, percebi uma coisa: mesmo quando tudo falha, o ser humano reorganiza-se. Tal como na pandemia, há uma espécie de ordem espontânea que emerge do caos. Desta vez sem medo, mas com curiosidade. Como se todos tivéssemos a sensação, por mais vaga que fosse, de estarmos a participar numa espécie de ensaio.
Será que foi mesmo uma falha técnica? Ou um pequeno teste à nossa dependência? À nossa capacidade de sobreviver sem ecrãs? Sem likes? Sem “última hora” a piscar?
É que, em Portugal, 84,4% das pessoas com mais de 15 anos acedem regularmente à internet. E dessas, 82% usam exclusivamente o telemóvel para isso. As redes sociais continuam a ser presença diária: cerca de 8 em cada 10 portugueses utilizam-nas todos os dias. Isso explica o pânico. Se o pão acaba, improvisa-se. Mas sem Instagram… há crise existencial.
Por outro lado, importa lembrar que Portugal ainda depende 71,2% da energia que consome. E apesar de termos batido recordes com 71% de eletricidade renovável em 2024, continuamos a importar cerca de 20% da eletricidade que usamos. Ou seja: basta um botão desligado lá fora, e ficamos às escuras cá dentro.
Não quero parecer alarmista, nem adepto de teorias. Mas também não posso ignorar o que vi. Num mundo onde tudo depende da energia e da rede, o que é que realmente temos de nosso? Se hoje parasse tudo durante três dias, quantos saberiam plantar uma alface? Aquecer água? Comunicar sem internet?
Como professor de informática e CEO da Webfarus, não vivo contra a tecnologia, muito pelo contrário. Trabalho com ela, ensino-a, gosto dela. Mas como pai… como ser humano… ontem fui forçado a olhar para o outro lado. E vi as minhas filhas a olhar para mim. Não para pedir Wi-Fi, mas para falar. Coisa rara.
Não tenho respostas. Nem certezas. Só sei que houve ali um momento de verdade. Em que fomos menos “conectados” e mais próximos. Em que não houve stories, mas houve histórias.
E confesso: quando a luz voltou… demorei a ligar o telefone.
*Autor do livro “ChatGPT para Professores“, autor do livro “ChatGPT para Estudantes” e fundador e gerente da Webfarus Marketing Digital (www.webfarus.com)
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