O historiador económico Nuno Palma vem atirar-se como gato a bofe a este país pobre, a viver dos fundos europeus, cada vez mais divergente da União Europeia, em que a forças políticas dominantes e os eleitores parecem estar de acordo com este marasmo que nos encaminha para o empobrecimento: As Causas do Atraso Português, Repensar o passado para reinventar o presente, Nuno Palma, Publicações D. Quixote, novembro de 2023. Não vem com meias medidas, zurze muitos e indistintamente: “Quase todas as análises ao estado do país feitas na praça pública pecam por miopia: como desconhecem a profundidade histórica do atraso, cometem erros sistemáticos e anunciam diagnósticos inúteis, quando não prejudiciais. Quem discursa tem também frequentemente um marcado enviesamento político e não declara os seus conflitos de interesses.” E vêm testemunhos a paraninfar esta obra que promete revelar a profundidade histórica do atraso português: é uma pedrada no charco de algum unanimismo académico ou acriticismo cultural que tem secado o debate crítico sobre a História de Portugal; um livro fundamental para perceber o persistente atraso económico português, etc., etc.
Nuno Palma deixa-nos uma prenda de Natal, devemos abandonar os nossos luxos parasitas e descobrir que é no Presépio que iremos encontrar o nosso caminho para o desenvolvimento viável e ganhar a nossa independência
Nesta incursão ensaística, o professor catedrático discreteia sobre tempos em que estivemos menos divergentes da demais Europa, dá-nos números sobre a evolução da população portuguesa, entre outras coisas ficamos a saber que Portugal, pelo menos até finais do século XIX, era um país como os outros da Europa Ocidental no que toca às normas sociais e familiares; houve períodos, sobretudo aqueles que estiveram cronologicamente mais em convergência com a demais Europa em que tínhamos instituições em que o monarca ouvia e tinha que respeitar a opinião dita popular, com os tempos de D. João V, tempos de Maldição de Recursos, em que nadámos em ouro, fomos divergindo ; entre 1950 e 2000 Portugal assistiu a algo parecido com um milagre económico, isto depois de o autor nos afiançar que o Império não teve um efeito positivo claro e acentuado para o desenvolvimento do país, embora tenha tido uma influência importante na revolução científica; o cúpido Marquês de Pombal, que pôs toda a família a comer na gamela das riquezas existentes e até espoliadas, ao expulsar os Jesuítas, deixou-nos o sistema educativo de pantanas; o ouro do Brasil foi uma maldição, serviu para aparato e consumo de ostentação, deixou para aí umas riquezas em edifícios e obras de arte, o desenvolvimento foi nulo; é importante acabar com essa treta da monarquia liberal, não houve reformas sérias, era um liberalismo por decreto e fachada, segue-se o falhanço da I República, construiu algumas escolas, é certo, mas nada parecido com as que deixou o Estado Novo, uma ditadura que abriu porta à industrialização, recuperou do atraso educativo do país, tinha um corporativismo de fachada, impõe-se olhar o Estado Novo com objetividade, coisa que a historiografia dos vencedores não admite. O regime atual acena em permanência com o conservadorismo, o país pobre e rural, a historiografia dos vencedores (não sabemos se começou em Vitorino Magalhães Godinho, até mesmo António Sérgio, ou Fernando Rosas ou João Medina, o autor não esclarece quais os réus) proclama falsidades sobre Salazar e o Estado Novo.
E estamos chegados à época contemporânea, o historiador tem frases grandiloquentes: “Portugal é um país onde o passado pesa muito.” Sendo historiador, o que pressupõe rigor e objetividade e distanciamento, diz com afoiteza que vai ser subjetivo, traz uma proposta de análise e sugestões para acabar com o nosso atraso. “A convergência com a Europa mais rica que vinha do início dos anos 1950 foi interrompida por uma década a partir do 25 de Abril.” Os culpados são por demais conhecidos, as medidas socializantes, as nacionalizações, foi aí que se lançou o Estado social ambicioso que os eleitores consideram que lhes é devido. E Nuno Palma dirá sem nenhuma hesitação que os fundos europeus são uma das causas fundamentais do atraso. “Segundo dados do Banco de Portugal, o país já recebeu 133 mil milhões de euros desde a adesão à União Europeia até inícios de 2023, sendo que o contributo total português para o orçamento comunitário corresponde a um terço desse número. Estes valores excluem o Plano de Recuperação e Resiliência, com um período de execução até 2026, e que importará em mais de 22 mil milhões de euros entre subvenções e empréstimos.” É o novo ouro do Brasil, só serve para empatar. E lança o seu vaticínio assombroso: “No dia em que a UE cortar fundos, finalmente alguma coisa mudará em Portugal. As consequências deste corte serão dolorosas, não há dúvida, mas esse será o primeiro dia do nosso confronto e acerto de contas com a realidade.” Assegura que o país está a definhar e a produzir resultados económicos medíocres, a adiar reformas (sendo que promete desmistificar as razões do atraso económico português, em tempo algum ouviremos de Nuno Palma quais as reformas estruturais que se impõem, é questão que ele passa como cão por vinha vindimada, dá assim uns tabefes às ordens profissionais e chega). Faz um louvor dos verdadeiros liberais, lembra Francisco Lucas Pires, do CDS, não teve sorte nenhuma, naquele tempo não havia espaço para a direita liberal em Portugal.
A Constituição também tem culpas no cartório, e subitamente ficamos a saber que este ousado historiador económico manifesta pesar por não ter havido no período revolucionário uma boa cura mesmo com derramamento de sangue, lê-se e não se acredita: “O próprio facto das forças comunistas ou de extrema-esquerda nunca terem tomado o poder, apesar das nacionalizações e reforma agrária, não demonstrou de forma cabal as suas verdadeiras intenções políticas. Se isso tivesse acontecido por algum tempo, ainda que à custa de muito mais sangue derramado, a cultura e memória política do país teria certamente evoluído de forma diferente.” Para que conste.
Somos um país bloqueado, há um partido político dominante do regime, os dois principais partidos da democracia tornaram-se parecidos, a ausência de políticas reformistas decorre da inexistência do eleitorado se rever em movimentos políticos, no quadro existente. Não está otimista, Portugal poderá ser um caso perdido. E é o momento azado de proferir outra máxima, não menos grandiloquente: “Convém não esquecer que nem sempre tudo correu mal na nossa História. Durante a segunda metade do século XX, o país teve duas fases de rápida convergência relativamente à Europa Ocidental. Tudo depende das escolhas que fizermos e das que forem feitas por nós. Portugal tem de se tornar um país adulto e independente, porque viver à conta do exterior, como se faz há décadas, não é um modelo de desenvolvimento viável.”
Os responsáveis atuais não merecem ser perdoados. Condescendente, também deixa escrito que vivemos muito melhor que os nossos antepassados mais distantes.
Nuno Palma deixa-nos uma prenda de Natal, devemos abandonar os nossos luxos parasitas e descobrir que é no Presépio que iremos encontrar o nosso caminho para o desenvolvimento viável e ganhar a nossa independência. Agora chegou a hora de ouvir a opinião do unanimismo académico e dos próceres do acriticismo cultural, a historiografia dos vencedores tem a palavra, espera-se que não se rendam aos cantos de sereia de Nuno Palma.
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