No próximo dia 18 de maio, milhões de portugueses vão votar, para eleger os 230 deputados da Assembleia da República. Campanhas, debates, cartazes, promessas. Fala-se de estabilidade, de mudança, de renovação, de “dar voz ao povo” … Mas poucos falam numa verdade nua e crua: em Portugal, milhares de votos são tratados como lixo eleitoral. Contam para as estatísticas, mas não servem para eleger ninguém. O nome disso? Sistema proporcional imperfeito. A consequência? Um parlamento que não espelha a diversidade de quem vota. A vítima? A democracia.
O voto que segue diretamente para o caixote!
Mais de 650 mil votos válidos não se traduziram em mandatos, nas últimas legislativas. Repare bem: votos conscientes, legítimos e informados – mandados para o fundo da gaveta do sistema. Votar num partido com menos de 10%, num círculo pequeno, é o equivalente democrático a gritar para dentro de um poço.

Docente, com pós-Graduação em Gestão e Administração Escolar
No dia 18 de maio, vamos votar. Mas enquanto o sistema continuar a fingir que todos os votos contam da mesma forma, estaremos apenas a encenar a democracia – com ‘aplausos’ para os vencedores e o habitual silêncio democrático para quem votou… e não contou
Mas quem quiser perceber o que isso significa na prática, que vá viver no círculo de Portalegre, ou Beja, ou Vila Real – e tente eleger lá um deputado fora das grandes máquinas partidárias. Vai ver o que acontece: nada. Zero. Voto desperdiçado.
Hondt não ajuda!
O método de Hondt – o sistema de distribuição proporcional – é o mecânico de serviço (desde 1975), que aperta os parafusos da injustiça. Funciona como um funil: por cada voto que entra, só passam os que pertencem aos mais fortes. Os pequenos? Ficam pelo caminho. Um sistema “proporcional” que recompensa a força instalada e pune a novidade, por mais competente e empreendedora que seja — especialmente em círculos com poucos deputados, onde o pluralismo é uma miragem democrática. É como se o sistema dissesse: “Pode votar, claro. Mas olhe que só alguns votos é que interessam.”
O peso do seu voto depende do seu código postal!
No interior, o voto vale menos. Não é teoria da conspiração. É matemática. Vive em Lisboa? Tem margem. No Porto? Ainda vai a jogo. Mas se vota em Bragança ou Évora, prepare-se: tem menos deputados por eleger e, logo, menos hipóteses de que o seu voto faça alguma diferença.
É uma lotaria democrática: ganha ou perde consoante o distrito onde nasceu e/ou vive. Só no Algarve, nas legislativas de 2024, mais de 50000 votos não tiveram qualquer influência na constituição do parlamento… O que lhe parece?
Votar e não contar é pior do que não votar!
A abstenção cresce porque as pessoas se afastam da política? Talvez. Mas cresce também porque há pessoas que votam e depois percebem que o seu voto foi decorativo. Que participou num jogo onde as regras estão viciadas à partida. Não há frustração maior do que cumprir o dever cívico e descobrir que ele foi irrelevante. Depois admiram-se da desconfiança nas instituições, do crescimento do populismo ou da apatia dos jovens. É claro que há um problema maior — o sistema trata parte da população como figurantes da democracia.
A solução existe – falta é coragem para a implementar!
Um círculo nacional de compensação: manter os círculos distritais, mas criar um círculo nacional com 20 lugares (por exemplo), a atribuir com base nos votos totais a nível nacional. É uma forma de dar voz aos votos que hoje são silenciados.
Esta solução não é perfeita, mas traz mais justiça, mais representatividade e menos cinismo. Outros países fazem-no – por exemplo, a Suécia. Nós preferimos fingir que está tudo bem. Preferimos manter um sistema que favorece os partidos instalados, os mesmos de sempre, os que dizem querer mudar tudo… menos as regras que os beneficiam.
No dia 18 de maio, vamos votar. Mas enquanto o sistema continuar a fingir que todos os votos contam da mesma forma, estaremos apenas a encenar a democracia – com ‘aplausos’ para os vencedores e o habitual silêncio democrático para quem votou… e não contou.
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