Margarida Tengarrinha morreu aos 95 anos, no passado dia 26 de outubro. A antiga deputada nasceu a 07 de maio de 1928, em Portimão. Ao POSTAL deu uma das suas raras entrevistas ao jornalista Ramiro Santos em outubro do ano passado, que aqui republicamos em sua memória.
A sua vida dava um filme, mas a realidade e a história de vida e de resistência pela liberdade de Margarida Tengarrinha, está para além da ficção. Em Memórias de uma Falsificadora, ela descreve dezanove anos de clandestinidade que a fez trocar uma vida de conforto, por anos de privações e sacrifícios, caminhando nos abismos do risco.
Militante e activista do PCP, viu morrer o seu companheiro e pintor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE a 19 de dezembro de 1961. Ela própria escreveria a notícia do acontecimento para o jornal Avante onde trabalhava.
Depois do 25 de Abril, integrou o comité central do seu partido e foi deputada pelo Algarve em diversas legislaturas. Há muito afastada da vida política, dedicou-se à pintura e vive retirada em Portimão. Um regresso às origens de que dá conta numa breve conversa com o Postal do Algarve.
P – Teve recentemente em exibição pública uma mostra de pintura subordinado ao tema Raízes no Museu de Portimão. Raízes porquê, um regresso às origens?
R – A minha última exposição foi integrada nas comemorações do 25 de Abril, no Museu de Portimão. Intitulei-a Raízes porque é aqui que se afundam as minhas raízes. E tanto mais profundamente aqui se enterram porquanto grande parte da minha vida foi uma deambulação, quer por outros países, quer principalmente por outras regiões de Portugal, longe do Algarve, para fugir às perseguições da PIDE, a antiga polícia política, que me perseguia, tal como o fazia a todos os lutadores contra o regime de ditadura fascista, que então dominava Portugal. Mas o título Raízes também ganhou um importante significado quando descobri um livro extraordinário e completamente inovador intitulado “A vida secreta das árvores”, de Peter Wohllenben, silvicultor e cientista, que explica ser através das suas raízes que as árvores comunicam entre si e apoiam outras árvores, mais débeis e doentes, para as salvar.
P – Como recorda Portimão desse tempo da sua mocidade? O que é que retém e ainda ficou desses anos?
R – Com os meus 94 anos, não posso deixar de reconhecer as enormes diferenças efetuadas, quer no plano económico, quer social e urbanístico, ao recordar Portimão da minha mocidade. Algumas mudanças foram para melhorar a cidade, outras não tanto. Mas o fator que considero mais lamentável é o quase total abandono das atividades produtivas, substituídas por uma mono-atividade turística cujos resultados podem ser bons, como aconteceu nestes dois últimos anos, ou, pelo contrário péssimos (como já aconteceu), em função de fatores internacionais desfavoráveis. Portanto, criando uma enorme insegurança económica para a região.
P – Há um episódio, teria a Margarida cerca de 15 anos, foi com a sua mãe e outras pessoas esperar a imagem de Nª Sra. de Fátima – que andava em peregrinação vinda de Lagos -, para rezarem à virgem pela conversão da Rússia. E o seu comentário mordaz não se fez esperar e terá dito: pois, a Nª Senhora não terá mais com que se preocupar do que com isso. Lembra-se?
R – O meu comentário aquando da chegada da Nossa Senhora de Fátima à ponte, onde eu acompanhava a minha mãe e a D. Glória Feu, como católica convicta que eu era na altura, significava que me começavam a preocupar muito as situações de miséria e desemprego que se sentiam muito na época.
P – Desde muito jovem já acompanhava a vida política tendo aderido muito cedo ao MUD Juvenil e depois ao PCP. Que idade tinha e o que é que a motivou a escolher a vida política em tempos tão difíceis e perigosos, levando-a a abandonar o conforto de uma família da burguesia urbana, já que o seu pai, julgo saber, era delegado em Portimão do Banco de Portugal?
R – Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em 7 de maio de 1945, tal como todos os jovens, senti uma enorme alegria por ir viver num mundo de Paz. Mas pouco tempo depois, em 6 de agosto, quando as conversações de paz se realizavam, os Estados Unidos lançaram sobre Hiroshima a primeira bomba atómica e poucos dias depois a segunda, ainda mais violenta, sobre Nagasaki, que mataram milhares de japoneses, deixando sequelas terríveis nos sobreviventes.
Estes factos terríveis determinaram o início da minha luta pela Paz e, evidentemente, a minha consciência política, pois a derrota do nazi-fascismo era também uma derrota para Salazar, amigo e cúmplice de Hitler e Mussolini.
P – Desde cedo entrou na clandestinidade e começou a escrever no Avante trabalhando na chamada oficina de falsificação. Em que consistia esse trabalho?
R – No decurso da luta pela Paz, que era simultaneamente uma luta contra o fascismo, o meu companheiro, José Dias Coelho, e eu própria fomos convidados para entrar na clandestinidade, isto é, passar a viver com outros nomes em casas arrendadas com falsas identidades. Ora, foi exatamente para forjarmos essas falsas identidades para os outros camaradas clandestinos que o PCP nos convidou, para evitar que muitos camaradas cujos nomes eram conhecidos pela PIDE, fossem presos. Para nós, alunos das Belas Artes, esse difícil trabalho era possível.
P – Um dos acontecimentos certamente mais marcantes da sua vida, foi o assassinato pela PIDE do seu companheiro, José Dias Coelho, também pintor e lutador antifascista. Como aconteceu?
R – No dia 19 de dezembro de 1961, na rua que hoje tem o seu nome, o meu companheiro foi preso pela brigada da PIDE do José Gonçalves, e quando ele gritava o seu nome, dizendo que estava a ser preso pela PIDE, um deles deu-lhe dois tiros, um dos quais no coração, “com intenção de matar”, segundo regista o relatório da autópsia.
P – No estrangeiro, foi trabalhar diretamente com Álvaro Cunhal e, em Bucareste integrou a redação da Rádio Portugal Livre. Ao todo quantos anos viveu na clandestinidade?
R – No total, vivi na clandestinidade dezanove anos, seis dos quais no estrangeiro, onde trabalhei com o camarada Álvaro Cunhal e na Rádio Portugal Livre. Mas em 1968 regressei a Portugal e trabalhava na Direcção Regional do Norte no dia 25 de Abril.
Breves notas biográficas
Maria Margarida Carmo Tengarrinha Campos Costa nasceu há 94 anos, em Portimão, onde regressou e reside, dedicando-se à pintura.
Militante comunista desde muito nova, distinguiu-se na luta de resistência pela liberdade contra a ditadura fascista.
Publicou diversos livros entre os quais Memórias de uma Falsificadora, a sua obra mais conhecida. Com um papel importante trabalhou na redação do jornal Avante e na falsificação de documentos durante a clandestinidade.
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