Faina, de Marta Pais Oliveira, marca o regresso à ficção desta jovem autora, depois da estreia já promissora anunciada com Escavadoras.
Marta Pais Oliveira, voz jovem e segura da nova ficção portuguesa, estará em Faro no dia 21 de maio de 2025, ou seja, esta quarta-feira, entre as 15h e as 18h, para uma Ação de Formação de Curta Duração com professores de vários níveis. O evento decorre na Biblioteca Municipal de Faro e é organizado pelo Centro de Formação Ria Formosa, integrado no Agrupamento de Escolas João de Deus.
As inscrições podem ser feitas no site do Centro de Formação: cffaro.pt/formacao/turma/673/detalhe/
No entanto, o encontro com a autora é aberto a leitores e público em geral; independentemente de não se conseguirem inscrever, são bem-vindos.

Doutorado em Literatura na UAlg
e Investigador do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC)
Faina é um romance poderoso, com uma voz única, inovadora, que surge dividido em duas partes, que parecem corresponder a um antes e um depois
Na quinta-feira, dia 22 de maio, a autora estará na Escola Secundária João de Deus, para um encontro com alunos e professores interessados. A conversa decorre na Biblioteca Escolar.
A autora irá tecer um diálogo sobre o processo de criação literária, da imagem ao ritmo e à ideia, sobre leitura e criação na sala de aula, sobre a partilha de influências e ecos, desvendar o trabalho de publicação, da estreia literária, da multiplicação do livro e do texto levado a cena, e ainda, por fim, pretende-se abordar o processo de análise de investigação etnográfica e envolvimento comunitário tendo por base o livro Faina.
Faina é um romance poderoso, com uma voz única, inovadora, que surge dividido em duas partes, que parecem corresponder a um antes e um depois. No início do século XX convivem pescadores e alta burguesia, empresários, intelectuais e artistas numa praia à beira do Atlântico.

Este é um retrato do dia a dia de uma comunidade piscatória do norte do país, numa terra nunca nomeada, num tempo nunca explícito, onde aliás não faltam elementos mágicos ou fantasmagóricos, como o polvo prateado, que poderiam remeter este romance para o domínio do realismo mágico. O mágico dá ainda lugar ao insólito quando, na semana da Grande Pesca, os pescadores arrastam as redes pelo areal – o livro resultado de um aturado trabalho documental e explana as técnicas da arte xávega – e dessas redes saem coisas nunca antes vistas a sair do mar, como uma cadeira de pinho, uma mala fechada com aloquete dourado, um homem de fato, que afinal ainda estava vivo e depois fica a rondar por ali, como um mau agouro do que se aproxima. Das redes aproveita-se ainda uma grafonola, funcional.
O tempo, ainda que (como se referiu) nunca seja explicitado, não deixa de ser facilmente perceptível, lançando o leitor para uma época em que a faina se faz de forma artesanal, numa era ainda intocada pela tecnologia, com prenúncios de mudança e de revolução. A segunda parte do livro («Brotam sonhos das latas de conservas») segue-se, afinal, à cisão que parece constituir a chegada da indústria das conservas, numa fase em que o mar entretanto parece ter galgado a costa e submergido o espaço.
As próprias personagens são designadas de forma genérica, sem nomes comuns de baptismo, como A do Moreno ou a Senhora da Fábrica.
Um fresco sobre homens e mulheres (mas sentido sobretudo no feminino) que vivem perdidos num modo de vida que se esvanece com o tempo, divididos entre o cansaço a fome a carestia e a solidão, entre a espera e os sonhos, num meio onde os contrastes sociais se acentuam e o mar e a tradição se diluem com a chegada do progresso da indústria das latas, com a sua magia própria, que mais parecem brinquedos, cheios de cor e encanto, e com sardinhas sem espinha.

Faina remete ainda de forma muito curiosa para esse outro grande romance da autora Lídia Jorge, O Cais das Merendas, que retrata igualmente um Algarve rural que se perde num novo modo de vida, quando o turismo invade as costas do sul e até a língua ganha plasticidade e importa vocabulário.
Marta Pais Oliveira nasceu no Porto, em 1990. É licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto e Universidad Complutense de Madrid e pós-graduada em Comunicação Empresarial pela Porto Business School.
Depois de uma breve passagem pelo jornalismo, desenvolveu projectos de comunicação e gestão de marca. Viveu em Moçambique, onde implementou sistemas de ensino à distância. Trabalhou em publicidade e hoje quer ajudar a indústria da moda a ser mais sustentável. Tem vindo a colaborar em jornais como colunista. Escreveu o libreto Maria Magola, levado à cena no Festival Informal de Ópera 2021.
Publicou poemas em colectivos de poesia e tem dois umbigos: um no corpo e outro em umumbigo.wordpress.com.

A autora publicou Escavadoras (2021), prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2020.
Em 2024 foi lançado o livro infanto-juvenil Tenho os Olhos a Florir, sobre o qual Afonso Cruz declarou que: «Este é um daqueles livros que voam e, mais importante, cumprem a promessa do seu título: fazer os olhos florir.»
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