O cartaz entrava-me pelos olhos dentro. Era impossível ficar-lhe indiferente. Parei, escutei e olhei, apesar da pouca confiança na escuta, por já me ter deixado assolar por inevitáveis dificuldades auditivas. Fosse, ou não, o comboio apitar, sentia-me perplexo com aquele impactante cartaz, não obstante reconhecer, em abstrato, a nobre causa que ele anunciava: “Útil é Ter um SNS Animal”.
Gosto muito de animais e bem sei que os supermercados vendem mais rações que fraldas. Chego a deixar-me invadir pelo reconhecimento de que, sobretudo, os animais de companhia têm um papel fundamental na vida de muitos portugueses. Na crescente tendência de uma vida jogada numa afunilada concentração urbana, não é de todo absurdo que permaneça o ancestral vínculo entre o homem e o animal, parecendo aceitável a decisão, de cada um, de ter um animal de estimação nos seus exíguos lares urbanos, onde já não cabem avós ou netos.
Confesso que senti uma espécie de murro no estômago com a centralidade desta preocupação, num tempo em que o SNS está escaqueirado, em que as urgências fecham por ausência de médicos, em que são aos milhares aqueles que não têm médico de família, em que as desmesuradas esperas para cirurgias comprometem uma imensidão de vidas humanas, em que há mais que uma década que persistem os problemas no INEM,em que as grávidas só podem fazer jus à redução ainda mais drástica da quebra de natalidade que nos assola, num momento em que toda a gente está apreensiva quanto ao enorme sarilho em que o SNS se tornou para vastas franjas sociais da população portuguesa.
Imagino um SNS Animal, com a criação de um hospital veterinário por distrito, na preservação da equidade regional, mesmo com as óbvias assimetrias evidentes entre distritos e os respetivos custos.
E vai daí, viria uma cobertura nacional de recursos humanos segmentados entre rececionistas, auxiliares, enfermeiros veterinários, radiologistas e médicos veterinários.
E quem poderia recorrer ao SNS Animal?Todos os possuidores ou apenas os carenciados, com base numa tabela de avaliação baseada em critérios da Segurança Social?
E por estes questionamentos me fico, no pressuposto de que hospitais animais públicos urbanos só podem constituir uma quimera, que outra serventia não tem que não seja a de um desnecessário aproveitamento populista de cidadãos desatentos ou desinformados, ou, em última e menos aceitável instância, o menosprezo pela inteligência dos eleitores, de que é suposto o país estar farto.
Admito, numa análise talvez simplista, que a “raiz do problema possa ser tantas vezes a incapacidade de estarem à altura de quem nos elegeu”, independentementede os eleitores terem o poder de exigir mais dos seus representantes, não anuindo a lideranças que não tenham experimentado a vida fora dos corredores da política. É que o nosso cenário político se assemelha, muitas vezes, a uma galeria de ideológicas vaidades, em que os políticos despidos de bom senso, ávidos da infinita reprodução do seu poder pessoal, a qualquer preço, acabam fora da realidade, perpetuando-se num círculo interminável de falta de contacto com as preocupações e aspirações mais candentes do povo que dizem servir.
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