A cessação de um contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador nem sempre resulta de uma decisão repentina. No caso analisado pelo Tribunal da Relação de Évora, uma empregada de limpeza decidiu pôr termo ao vínculo com a empresa depois de ver o seu direito a férias negado e o seu salário descontado. O tribunal veio agora confirmar que a resolução foi feita com justa causa.
De acordo com o acórdão de 2 de outubro de 2025 (Proc. n.º 2141/24.0T8FAR.E1) da Relação de Évora, a trabalhadora tinha marcado nove dias de férias em março de 2024, com acordo da entidade empregadora. Contudo, pouco antes da data prevista, foi-lhe comunicado que as férias estavam canceladas “devido a estarmos a concurso”. A empresa considerou depois essas ausências como faltas injustificadas e descontou os dias do vencimento.
Segundo a mesma fonte, a empregada pediu a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que confirmou a existência de irregularidades. Ainda assim, o empregador manteve a decisão e chegou a notificar a trabalhadora, por carta, de que estava “suspensa” e que deixara de ser reconhecida como funcionária.
Carta de rescisão e a resposta do tribunal
Face aos acontecimentos, a trabalhadora apresentou a resolução do contrato, alegando violação dos seus direitos, incluindo o não pagamento de parte das remunerações e a ausência de materiais de proteção adequados. A empresa contestou, negando qualquer infração e pedindo uma indemnização de 1.500 euros por alegado incumprimento do aviso prévio.
No julgamento, a primeira instância deu razão parcial à empregada, reconhecendo apenas uma parte dos valores reclamados. Inconformada, a trabalhadora recorreu. A Relação de Évora analisou os factos e considerou provada a violação do direito a férias, entendendo que o cancelamento sem justificação válida configurou um obstáculo imputável à entidade patronal.
Justa causa e comportamento culposo
Conforme a mesma fonte, os juízes sublinharam que, para existir justa causa na resolução de um contrato por parte do trabalhador, é necessário que o comportamento do empregador viole direitos fundamentais do empregado e torne insustentável a continuação da relação laboral. No caso concreto, o tribunal considerou que o cancelamento das férias, o desconto salarial e a comunicação de suspensão revelaram uma conduta culposa da empresa.
Explica ainda o acórdão que a falta de pagamento pontual da retribuição e a violação do direito a férias configuram fundamentos legais de justa causa, conforme o artigo 394.º do Código do Trabalho. Acrescenta a publicação que a empresa não conseguiu afastar a presunção de culpa, prevista no artigo 799.º do Código Civil.
Indemnização e créditos reconhecidos
A Relação de Évora determinou que a entidade empregadora devia pagar à trabalhadora uma quantia total de 4.759,62 euros, acrescida de juros legais desde maio de 2024. O valor inclui a indemnização pela resolução do contrato, a compensação por férias não gozadas, subsídios proporcionais de férias e de Natal e o montante correspondente à formação profissional não ministrada.
O tribunal revogou ainda a decisão anterior quanto à compensação de créditos e declarou improcedente o pedido reconvencional da empresa.
Um precedente sobre o direito a férias
Escreve ainda o acórdão que, para efeitos de indemnização por violação do direito a férias, é necessário provar que o trabalhador foi impedido de as gozar por ação direta do empregador. No caso julgado, a proibição do gozo das férias e a penalização subsequente constituíram elementos suficientes para configurar uma infração grave.
A decisão sublinha que as empresas não podem invocar motivos administrativos ou contratuais, como a abertura de concursos públicos, para anular períodos de descanso já acordados.
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