O Tribunal da Relação de Guimarães analisou um caso curioso de litígio laboral que levanta uma questão sensível: quando é que uma ausência prolongada pode ser considerada abandono do trabalho e quando é que se trata de um despedimento ilícito?
A decisão, datada de 9 de janeiro de 2025, diz respeito ao processo n.º 1022/21.3T8BGC.G1 e ajuda a clarificar um dos temas mais delicados nas relações entre empregadores e trabalhadores.
De acordo com o acórdão, o caso opôs um trabalhador à empresa onde prestava serviço. O autor alegou ter resolvido o contrato por justa causa, exigindo o pagamento de salários em atraso, horas suplementares e indemnizações por danos.
As quantias reclamadas ascendiam a várias dezenas de milhares de euros. A entidade empregadora, por sua vez, sustentou que o funcionário tinha abandonado o posto de trabalho, comunicando formalmente essa situação.
A fronteira entre abandono e despedimento
Segundo o Tribunal da Relação de Guimarães, a questão central estava em saber se estavam preenchidos os requisitos legais do abandono do trabalho.
O artigo 403.º do Código do Trabalho estabelece que se presume abandono quando o trabalhador falta ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
Compete ao empregador provar a ausência e a falta de informação sobre o motivo; o trabalhador pode ilidir essa presunção provando força maior que tenha impedido a comunicação.
O tribunal recordou ainda que a qualificação jurídica depende do conteúdo efetivo dos atos: se a empresa invoca abandono sem base, a comunicação reconduz‑se a despedimento ilícito; mas se se verificarem os pressupostos legais, a cessação é válida por abandono (denúncia pelo trabalhador).
O erro processual que pesou no desfecho
O trabalhador estruturou a ação como resolução do contrato por justa causa (por iniciativa própria). Por isso, o tribunal não podia aplicar as consequências típicas de um despedimento ilícito, sob pena de condenar em objeto diverso do pedido.
No caso concreto
A Relação concluiu que o autor faltou mais de 10 dias úteis seguidos sem informar o motivo e não provou força maior que impedisse a comunicação. Assim, mostrou‑se lícita a comunicação da ré de cessação do contrato por abandono do trabalho.
Uma lição prática para os dois lados
O acórdão reforça a importância da comunicação: o trabalhador deve justificar ausências e guardar prova de contacto; a empresa deve documentar faltas e cumprir a comunicação formal prevista na lei antes de invocar abandono.
















