A convite de Europe Direct Algarve e a partir de iniciativa de Ana Burnay, cuja atuação ambiental tenho acompanhado, tive oportunidade em 2023 de fazer apresentação para professores e estudantes do curso de Artes Visuais na Universidade do Algarve, tendo depois participado também como convidado da abertura de aMAR-te – I encontro de ARTivistas pelo clima e oceano. Incumbido de proferir informal comunicação inicial denominada Oceano para todos: comunicar a sustentabilidade, que agora transcrevo,adoto este mote e ouso acrescentar uma frase cuja origem citaremos ao final: todo mar é um.
Ao tomar conhecimento da necessária atividade no Algarve de organismos e pessoas — escolares, secundaristas, universitários, pesquisadores — na preservação deste Atlântico ameaçado pelo processo indústria-consumo-lixo, não posso deixar de me preocupar com a ocorrência deste mesmo ciclo letal nas águas daquele outro oceano que, apesar da distância, vem a ser o mesmo: o Atlântico sul-americano. Meio ambiente, comunicação, design gráfico, desenho, arte e educação são marcadores
básicos que percorro ao relatar vivência pessoal no aprendizado concomitante do desenho e do conjunto de fatores físicos que cercam os seres humanos.
Vivências que, de uma maneira ou de outra, podem ser análogas às de muitos das gerações que em sua infância banharam-se em praias com barcos, pescadores e peixes e que hoje reencontram essas mesmas areias com tratores,resíduos plásticos, coletores de lixo e avisos sobre derrames de óleo.
Neste contexto a função possível do graphic design, expressão de origem inglesa que pode ser traduzida como “design gráfico” é esclarecida por Jonathan Barnbrook – designer gráfico britânico – em uma de suas aulas , professor que é. Haverá entre os que leem quem pense não conhecê-lo embora na verdade o conheçam, pois trata-se autor dos conhecidos projetos gráficos de albuns de David Bowie como Black Star, Heroes e The Next Day onde alguns versos vaticinam:
“Novas crianças nascerão no próximo dia
Rindo de nossas preocupações
E elas terão motivos para comemorar.
Seu fruto crescerá em uma árvore
Mas o néctar não nos fará esquecer
Não nos fará esquecer”
Sim, parece que já estamos no mundo começando a singrar o “ponto de não retorno” além do qual teríamos dificuldades crscentes em reverter a crise climática iniciada. Mas, voltando à frase de Barnbrook que muito bem expressa o desígnio da comunicação:
“Estamos criando
novas formas
para que a humanidade
se expresse melhor.”
A simplicidade característica de muitas boas soluções gráficas é encontrada nesta frase que contém as palavras criação, forma, humanidade e expressão.
Pois é exatamente disso que estamos tratando: da elaboração de formas de comunicação inovadoras para que melhor expressemos nossas saudáveis preocupações geradas por um ambiente que adoece, procurando despertar em todos a compreensão e adesão às necessária atividades participativas. Ora,
não é apenas bonito e desejável que criemos novas formas de comunicação, é imprescindível por ser primitivamente humano desenhar os valores de seus ambientes naturais, culturais e míticos. Vejam as pinturas rupestres, pinturas manuais em rochas, encostas de montanhas ou realizadas em cavernas
escuras à luz de archotes – não foram feitas como decoração ou entretenimento, foram feitas por esses caçadores/coletores de vida dura porque não podiam deixar de fazê-lo. Pensou nisso Carl Andre um expoente do Minimalismo americano dos anos 1960, quando registrou:
“Escalamos a montanha porque ela existe
fazemos arte porque ela não existe “.
Escaladores de montanhas são os ativistas de Lixarte quando preservam a vida modelando imagens com as mãos. De novo, Carl Andre:
“Toda arte é paleolítica ou neolítica:
o ímpeto de cobrir de fuligem e gordura as paredes das cavernas
ou de empilhar pedra sobre pedra.”
Complementando, cito ainda o poeta neoconcreto brasileiro Ferreira Gullar: “a arte existe porque a vida não basta”
Na minha vida pessoal (aquela “que não basta” segundo Gullar): ocorreu que saindo da Universidade, com formação em estudos superiores de arquitetura, urbanismo, desenho e artes, dava-me bem com todo esse mundo das artes visuais e construtivas até que ao final do curso universitário tropecei em uma palavra da moda que ainda não conhecia: “ecologia”, diziam, usando imprecisamente a expressão da biologia. Logo descobri que em outras línguas usavam denominação mais abrangente e que ainda não tinha correspondência em português, pelo menos em meu país: environment, em inglês e environnement, em francês. Consegui ler coisa e outra do parco material impresso disponível em espanhol ou francês e resolvi aconselhar-me com mestres da escola de Arquitetura e Urbanismo , onde uma jovem professora considerou ser “assunto importado”enquanto um antigo professor disse-me ser aquilo tudo conversa de “hippies”.
Tinha realmente alguma razão o mestre conservador, naquele tempo parecia mesmo ser coisa de jovens que nas ruas, praças e impressos manifestavam-se ruidosamente mas era também também assunto acadêmico de hoje celebrados orientadores da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris onde frequentei os seminários de Ignacy Sachs, um dos criadores do conceito de “desenvolvimento sustentável” que uniria em um só discurso sociedade e ambiente – tema da Conferência das Nações Unidas RIO 92 onde há trintaanos atrás já se alertava, sobre a iminência dos tumultos climáticos que vivemos agora e que afetam não só nossos ambientes físicos e naturais como também nossos espaços comunicacionais.
A humanidade depende dos condicionantes dessa natureza criada e das linguagens que a própria humanidade criou para se comunicar e arte e comunicação não têm apenas papel coadjuvante neste processo: são na verdade protagonistas, integrando e configurando este outro mundo material e
simbólico criado pelo homem e que chamamos de Cultura.
Gostaria assim de finalizar, transcrevendo letra de Gilberto Gil para canção feita em parceria com João Donato e que se chama Lugar Comum, sem hífen, pois se lugar-comum com hífen refere-se a ideia trivial, repetida, sabida de todos… lugar comum refere-se nesse contexto à beira dos mares como lugar usual e acolhedor.
“Beira do mar, lugar comum
Começo do caminhar
Pra beira de outro lugar
À beira do mar, todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul.”
Leia também: DESENHANDO HORIZONTES | Por Carlos Eduardo Perrone
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