Milhares de trabalhadores que começaram a laborar muito jovens enfrentam hoje cortes significativos nas suas pensões de reforma antecipada. Apesar de terem contribuído durante décadas, são penalizados por se reformarem antes da idade legal, mesmo em casos de despedimento involuntário.
É o caso de Luis Ortiga, um reformado espanhol que dedicou mais de 45 anos da sua vida ao trabalho e acabou por se reformar de forma antecipada e involuntária. Aos 61 anos, após uma carreira longa e exigente, viu a sua pensão reduzida em 24%, conforme prevê a Lei Geral da Segurança Social.
Uma vida inteira de trabalho
Ortiga começou a trabalhar aos 14 anos, acumulando jornadas que chegavam às 48 horas semanais, muito acima do que hoje seria permitido. O seu testemunho, divulgado no canal de YouTube da associação ASJUBI40, denuncia aquilo que considera uma “discriminação” contra quem mais contribuiu para o sistema, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
“Depois de mais de 45 anos a trabalhar e a descontar, tive de me reformar antecipadamente e perdi quase um quarto da minha pensão”, explica. E acrescenta que o sistema atual castiga precisamente os que mais contribuíram, obrigando-os a viver com menos, mesmo após uma vida inteira de esforço.
Penalizações que podem chegar aos 30%
A lei espanhola prevê coeficientes redutores aplicados às reformas antecipadas, variando conforme o número de anos de contribuições, o tipo de reforma (voluntária ou involuntária) e o número de meses antecipados em relação à idade legal. Quanto mais cedo o trabalhador se reformar e menos anos tiver de descontos, maior é o corte. No caso de Luis, com mais de 45 anos de contribuições, a penalização foi de 24%. Mas há casos em que o corte pode atingir os 30%, sobretudo para quem tem menos de 38 anos e meio de descontos.
“Esta não é uma situação excecional”, lamenta. “É o que acontece com milhares de pessoas que começaram a trabalhar aos 14 ou 15 anos e fizeram jornadas de 42, 45 e até 48 horas semanais, o que hoje seria considerado escravidão.”
O peso das exceções
Luis Ortiga também denuncia o que considera uma desigualdade evidente entre trabalhadores, de acordo com a mesma fonte. Existem oito regimes especiais da Segurança Social espanhola, como o dos mineiros, pessoal de voo, artistas, toureiros, polícias, ferroviários, bombeiros e funcionários públicos, que permitem a reforma antecipada com 100% da pensão, nalguns casos aos 59 ou 60 anos, desde que tenham pelo menos 35 anos de contribuições.
“Isso só tem um nome: discriminação”, afirma o reformado, que defende a criação de um novo regime especial para os trabalhadores com longas carreiras contributivas, permitindo-lhes reformar-se sem penalizações.
“Isto não é uma questão de custos, é de justiça”
Para este reformado, o problema não está no impacto económico, mas na falta de equidade e dignidade. “Isto não se trata de custos, trata-se de justiça”, resume. Luis considera injusto que os que mais contribuíram ao longo da vida sejam os mais penalizados no momento da reforma.
De acordo com o Ministério da Segurança Social espanhol, só nos primeiros meses de 2025, 155.131 pessoas se reformaram, sendo 44.940 através de reformas antecipadas, ou seja, quase um em cada três trabalhadores opta por se retirar antes do tempo, muitas vezes por necessidade e não por escolha, refere ainda o Noticias Trabajo.
E se acontecesse em Portugal?
Em Portugal, a situação de Luis teria contornos semelhantes. Também aqui existem penalizações nas reformas antecipadas, tanto no regime geral da Segurança Social como na Caixa Geral de Aposentações. A legislação portuguesa prevê reduções permanentes no valor da pensão para quem se reforma antes da idade legal (em 2025, fixada nos 66 anos e 7 meses). Essas reduções dependem dos anos de descontos e do número de meses de antecipação. A penalização é de 0,5% por cada mês de reforma antecipada, o que equivale a 6% por ano.
No entanto, há exceções. Quem tiver pelo menos 40 anos de contribuições e atingir uma idade mínima de 60 anos pode reformar-se antecipadamente sem penalizações, desde que a soma da idade e dos anos de descontos seja igual ou superior a 100 (a chamada “regra dos 100”).
Diferenças que contam
Ao contrário do sistema espanhol, Portugal tem vindo a aplicar mecanismos de compensação para carreiras longas. Ainda assim, muitos trabalhadores que começaram cedo continuam a sentir-se injustiçados, especialmente quando são forçados à reforma antecipada por desemprego de longa duração.
Nesses casos, mesmo com 40 ou mais anos de descontos, podem enfrentar cortes de 10% a 30% na pensão, dependendo das regras aplicáveis e da data do pedido.
O mesmo sentimento de injustiça
Se o caso de Luis tivesse ocorrido em Portugal, o resultado poderia variar conforme o número de anos de descontos e a idade exata da reforma. Mas, na prática, também aqui quem começou a trabalhar muito jovem e se viu obrigado a sair mais cedo do mercado de trabalho pode ser penalizado.
Tanto em Espanha como em Portugal, a queixa é a mesma: quem mais trabalhou e mais contribuiu sente-se castigado no momento em que deveria descansar. Uma realidade que muitos, como Luis, continuam a considerar não apenas um erro técnico, mas uma questão de justiça social.
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