Os cidadãos do Sotavento Algarvio não fazem ideia dos riscos que correm ao serem “tratados” no serviço de cirurgia do Hospital de Faro.
Conheço a situação desde que fui diretor do Curso de Medicina da Universidade do Algarve (2008-2013) e da qual alertei a administração hospitalar durante o meu mandato. Também tornei o meu parecer público, na imprensa local em 2011, com grande consternação dos poderes instalados.
Tenho esperança que a denúncia da corajosa colega Diana Pereira venha a ser um daqueles momentos “me too”
A ação da minha colega Diana Pereira, ao denunciar as graves negligências que ela testemunhou, é uma atitude rara que só um médico com altos padrões éticos e grande coragem o faz, perante um sistema corrupto onde a mediocridade esconde a mediocridade.
A verdadeira extensão do problema vai muito além da denúncia da colega Diana Pereira e nunca poderá ser exatamente avaliado dado que não existe uma auditoria honesta e eficaz dos serviços. E não creio que a Ordem dos Médicos ao “investigar” o problema tome outra atitude que não seja de compromisso com o poder estabelecido.
A presente situação no Hospital de Faro podia ter sido resolvida há meses se a tutela política fosse isenta de promiscuidades nas nomeações dos administradores. Quer o Ministro da Saúde, quer o Diretor Executivo do SNS foram alertados várias vezes para os problemas graves que comprometem a saúde da população algarvia, mas escolheram nada fazer.
A Faculdade de Medicina da Universidade do Algarve viu-se obrigada a suspender a colocação de estudantes em estágios no Hospital de Faro por reconhecer a falta de padrões mínimos de qualidade em vários serviços.
Não tenho ilusões que a maioria das decisões tomadas pelos políticos dão máxima prioridade aos seus interesses pessoais seguidos dos interesses do partido. Os interesses dos cidadãos contam, em pequena medida, apenas durante o curto período das eleições. Infelizmente, os graves problemas do Hospital de Faro não são únicos no país. Não existe em Portugal uma cultura de segurança do doente com sistemas instalados tal como, por exemplo, na indústria da aviação civil. Vai demorar gerações a progredir nesse sentido.
Vivo em Londres, onde percorri quase toda a minha carreira de médico, passando curtas temporadas no Algarve. Devo confessar que quando lá estou [no Algarve], vivo com a constante preocupação de involuntariamente ir parar ao Hospital de Faro, como doente, se me acontece uma emergência cirúrgica.
Tenho esperança que a denúncia da corajosa colega Diana Pereira venha a ser um daqueles momentos “me too”, que encoraje mais colegas e doentes conhecedores ou vítimas dos graves problemas do Hospital de Faro a virem a público denunciar esta situação, vergonhosa para o Algarve e para o país.