A convite da Reitoria da Universidade de Algarve e a partir de iniciativa da Europe Direct Algarve, cuja atuação ambiental tenho acompanhado, tive oportunidade recentemente de fazer uma apresentação para alunos e professores no Campus da Penha, no âmbito da EU Green Week 2023 – Greening Our Future: joining forces for a more sustainable horizon. Retomo agora por escrito a introdução da citada apresentação como crônica informal.
Ao tomar conhecimento da necessária atividade no Algarve de organismos e pessoas — escolares, secundaristas, universitários, pesquisadores — na preservação deste Atlântico ameaçado pelo processo indústria-consumo-lixo, não posso deixar de preocupar-me com a ocorrência deste mesmo ciclo letal nas águas daquele outro oceano que, apesar da distância, vem a ser o mesmo: o Atlântico brasileiro. Meio ambiente, comunicação, design gráfico, desenho, arte e educação são marcadores básicos pelos quais deambulo ao ousar relatar vivências pessoais no aprendizado do desenho e do conjunto de fatores físicos que cercam os seres humanos. Vivências que, de uma maneira ou de outra, podem ser análogas às de muitos das gerações que em sua infância banharam-se em praias com barcos, pescadores e peixes e que hoje reencontram essas mesmas areias com tratores, coletores de lixo e avisos sobre derrames de óleo. Começaremos falando do desenho.
Nos primeiros anos de escola havia dois exercícios semanais que incluíam letras e imagens e aos quais muito devo desde sempre e até hoje. Um deles, realizado em sala de aula, era chamado de “descrição”: era-nos apresentada uma imagem em cores, impressa em formato grande e fixada sobre a lousa, contendo paisagens, espaços interiores ou cenas urbanas que tínhamos de descrever segundo um método explicitado que supunha a suposição de “planos” visuais imaginários. Exemplifico:
— Em primeiro plano, vê-se um menino e uma menina sentados na grama;
— em segundo plano vê-se uma cerca, uma árvore e uma vaca pastando;
— em terceiro plano vê-se um rio e uma ponte, e assim por diante… até a montanha ou até o céu.
Aprendi que:
1. A visualidade, até então livre exercício displicente, poderia ser metodizada;
2. a definição de quais coisas estariam em qual plano era arbitrária, desde que não se incorresse em algum absurdo perspetivo;
3. a tradicional perspetiva técnica era em si mesma um dado inquestionável que segurava todo o desenho;
4. o visível, um mundo à parte, poderia ser verbalizado.
Mais tarde, ao defrontar-me com o Cubismo de Braque e Picasso, logo percebi que ali estava acontecendo a subversão do método da “descrição”, tornando-se quase impossível verbalizar aquelas novas imagens a partir de planos verticais. Como entender ruturas sem conhecer tradições?
Outro exercício do então chamado no Brasil de “curso primário”, este feito em casa e entregue em sala de aula, era denominado “redação”: tema livre, implicava em recortar uma ilustração qualquer de revistas (livros, nunca!), em geral de anúncios ou artigos, e escrever uma historinha inventada ou mais ou menos acontecida a partir daquela figura colada na mesma folha da redação.
Aprendi que:
1. Poderíamos criar um conteúdo novo e independente do contexto originário da figura impressa;
2. para ficar bem apresentada a lição de casa, era preciso ajeitar a figura recortada na página de maneira que se equilibrasse com a linearidade da escrita manual sobre papel pautado;
3. terminado o conjunto, o escrito mudava o significado do desenhado e o desenhado integrava-se ao recém-redigido.
Livros ilustrados, a explosão modernista no Brasil, as Bienais Internacionais de Arte de São Paulo (com o design marcante de seus cartazes) e o sucesso da arquitetura brasileira levaram-me a um curso livre de História da Arte quando estava ainda no colégio, e de lá à Faculdade de Arquitetura, onde além de vir a conhecer na biblioteca a revista Domus cursei disciplinas de Desenho Arquitetónico, Projeto e Comunicação Visual: era o design gráfico em expansão no país.
Dei-me bem com todo esse mundo visível até que ao final do curso universitário surgiu uma pedra de tropeço no caminho, uma palavra nova: “ecologia”, diziam. Logo descobri que em outras línguas usavam denominação mais abrangente, que ainda não tinha correspondência em português, pelo menos em meu país: environment, em inglês e environnement, em francês. Consegui ler coisa e outra do parco material impresso disponível em espanhol ou francês e resolvi aconselhar-me com mestres da escola de Arquitetura — disse-me o velho professor conservador:
— Isso aí é conversa de hippies!
Busquei então a jovem professora progressista:
— Isso é um assunto importado para desviar a atenção dos nossos reais problemas sociais.
Resumindo e concluindo: após trabalhar em um banco (como arquiteto) e cansado das limitações culturais impostas pela ditadura, mudei-me para a Europa. Lá frequentei em Paris e Estraburgo cursos, estágio em órgão público de planejamento e seminário na École Pratique des Hautes Études, tendo sido indicado para participar no encontro internacional da ONU no Palais des Nations, em Genebra – Les Établissements Humains. Meu plano estava certo, mas o momento não: ao voltar ao Brasil não encontrei em São Paulo local onde se ocupassem profissionalmente das questões ambientais, não havendo ainda nem mesmo expressivas atividades voluntárias relativas ao tema ou o desenvolvimento de linguagem gráfica de cartazes. No entanto, conhecedores de meu percurso anterior nas artes visuais, convidaram-me a lecionar Linguagem Visual no Departamento de Desenho de importante Universidade. Na sequência, montei um estúdio de projetos e produção naquela especialidade cujo nome foi mudando, acompanhando os tempos: artes gráficas, comunicação visual, programação visual, identidade visual, design gráfico, design visual. Tendo sempre como operação e função desenhar formas para comunicação, divulgação, conscientização e persuasão como ocorre aqui e agora, tão próximos que estamos das águas dos oceanos de formação iniciada a bilhões de anos, quando componentes naturais químicos, minerais e orgânicos teriam se acumulado nas superfícies das águas, iniciando ali o processo que resultaria em vida. E, citando René Dubos, “não vivemos sobre o planeta Terra, mas sim com a vida existente e dentro do ambiente em que essa vida foi criada”.
A humanidade depende dos condicionantes dessa natureza criada e das linguagens que a própria humanidade criou para se comunicar. E a arte não tem apenas um papel neste processo: é, na verdade, protagonista, integrando e configurando este outro mundo material e simbólico criado pelo homem e que chamamos de Cultura.
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O LIXARTE – transformar lixo marinho em arte – assume-se hoje como um projeto de ARTivismo climático. O objetivo é sensibilizar a sociedade para a urgência de proteger os Oceanos, cumprindo as metas do Pacto Ecológico Europeu e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados pela ONU. O projeto teve início em 2021 e na fase inicial do projeto participaram alunos e professores de cinco escolas dos concelhos de Faro e Olhão e a mentoria foi da professora de Belas Artes Ana Sousa. Foram criadas 6 tapeçarias, a partir de lixo recolhido na costa algarvia e inspiradas na obra do artista africano El Anatsui. As peças foram apresentadas ao público, pela primeira vez, no dia 08 de junho de 2022, Dia Mundial dos Oceanos e estão em itinerância pela região desde então.
A edição de 2023 agrega 23 parceiros, em 7 concelhos. Participam 2 universidades, 4 ONG, 2 ONGA, 5 entidades públicas, fotógrafos, biólogos, comunicadores, ativistas climáticos de todas as idades. Foram construías 13 esculturas/instalações para espaços públicos.
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