Mais uma vez ficou provado que as eleições autárquicas têm uma natureza própria: nelas contam sobretudo as pessoas, a proximidade aos problemas reais, as propostas concretas, a iniciativa e a experiência para passar à prática. A confiança entre eleitos e eleitores continua a ser o principal fator de decisão. O voto de protesto é excecional. Isso ajuda a explicar uma certa continuidade na governação local, que só costuma ser interrompida com mudanças de ciclo político.
No Algarve, apesar das mudanças ocorridas, prevaleceu um sentimento de estabilidade na política autárquica. Os receios de que um sistema político tripartido pudesse causar ingovernabilidade não se confirmaram. A estrutura de poder regional mostra ter capacidade para concretizar o que for necessário. Precisa de novos entendimentos.
A Associação de Municípios do Algarve mantém uma maioria expressiva. Mas, mais do que isso, importa construir consensos em torno de uma visão comum de futuro, com uma estratégia e um programa regional desenvolvidos em articulação com a CCDR Algarve, visando o reforço de um poder regional partilhado. Ainda estamos longe da regionalização, mas há sinais claros, vindos da União Europeia, a apontar para a necessidade de maior descentralização e de uma aplicação mais integrada dos diferentes fundos europeus. Isso abre novas oportunidades. É tempo de fazer uma avaliação rigorosa do que temos vindo a fazer e de usar a experiência acumulada pelas instituições para gerar dinâmicas de mudança.
O Algarve é uma região polarizada, mas relativamente homogénea, com uma especialização económica muito marcada. Torna-se urgente criar novas âncoras para uma economia mais robusta e inteligente, assente em serviços com maior valor acrescentado. Não é preciso reinventar nada. As prioridades estão bem identificadas: o turismo, naturalmente, mas também os setores agroalimentar e do mar, impulsionados por indústrias 4.0 — que integrem tecnologia avançada, transformem setores tradicionais e projetem setores emergentes, atraiam talento e criem empregos qualificados. A região não pode continuar ancorada numa economia de baixos salários.
Todo o território tem potencial para acolher projetos com efeito multiplicador. A geografia e as relações de proximidade entre o Barlavento e o Sotavento têm sido decisivas para estruturar estratégias baseadas em identidades territoriais fortes — das Terras do Infante ao Arade, de Monchique ao Caldeirão, e deste ao Guadiana. Mas são precisos novos estímulos e projetos estruturantes.
Neste contexto, o Algarve Central — com Faro, Loulé e Olhão — tem hoje condições únicas para impulsionar a região. Aqui estão concentradas infraestruturas e centros de conhecimento capazes de projetar o Algarve do futuro. A cooperação entre estes municípios, esperamos que agora mais fácil, deve assentar em projetos concretos, nomeadamente nas áreas da mobilidade, da saúde, da segurança, do ambiente, da economia, da ciência e da cultura.
Há necessidade de olhar para o interior, para essa longa e extraordinária infraestrutura verde e todo o seu potencial, valorizar os seus produtos e remunerar os serviços públicos que presta aos territórios do litoral – regulação da água, conservação da biodiversidade, retenção de carbono – para fixar pessoas que insistem em lá ficar. É preciso um programa para o restauro da natureza e para a revitalização agroflorestal da região.
Em suma. Temos um ciclo renovado de autarcas. Há condições para que todos possam pensar, em primeiro lugar, na terra que os elegeu. Mas, é preciso que acreditem mesmo que só a partilha de um projeto comum e um planeamento regional coerente fará com que o todo seja maior que a soma das partes.
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