As uniões de facto têm vindo a ganhar espaço nas últimas décadas, acompanhando mudanças profundas nas estruturas familiares e nas formas de viver em casal. Apesar dessa evolução social, a lei continua a exigir determinadas formalidades para que uma relação tenha efeitos legais, sobretudo quando estão em causa direitos económicos após a morte de um dos companheiros, como a pensão de viuvez.
Uma recente decisão do Supremo Tribunal de Espanha voltou a expor essa fronteira entre o reconhecimento social e o enquadramento jurídico das uniões de facto. Uma mulher, Antonieta, não conseguiu aceder à pensão de viuvez de 2.694 euros mensais depois de a Segurança Social espanhola ter rejeitado o pedido por falta de registo formal da relação com o falecido, apesar de terem convivido nove anos e terem duas filhas em comum.
O Supremo foi claro: sem registo oficial da união ou documento público que a constitua, não há direito à pensão prevista na Lei Geral da Segurança Social, refere o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Convivência não basta
Antonieta e o seu companheiro, Roque, viveram juntos durante quase uma década, tinham duas filhas e até data marcada para o casamento, interrompido pela morte do mesmo em 2021. Mas, para a Segurança Social, nem a longa convivência, nem os laços familiares bastavam.
A lei espanhola exige a formalização da união de facto, seja por registo num órgão público, seja por escritura notarial, realizada pelo menos dois anos antes do falecimento.
O Tribunal do Trabalho deu razão à Segurança Social, mas o Tribunal Superior de Justiça de Madrid anulou a decisão e reconheceu o direito da mulher à pensão. O caso chegou depois ao Supremo, que voltou a negar o subsídio, reafirmando que a lei é inequívoca: sem formalização, não há direito.
Lei espanhola é clara
O artigo 221.2 da Lei Geral da Segurança Social exige dois requisitos cumulativos para que uma união de facto gere direito à pensão de viuvez: convivência estável e constituição formal da relação. O Supremo explicou que a lei apenas reconhece duas formas de cumprir essa formalidade: através de registo público ou de escritura notarial.
A sentença também recorda que a reforma legal de 2021 eliminou o requisito de cinco anos de convivência para casais com filhos, mas manteve inalterada a exigência de formalização, de acordo com a fonte anteriormente citada.
Nem filhos, nem planos de casamento servem
No caso de Antonieta, nem a existência de filhas em comum, nem os planos de casamento ou o certificado de residência conjunta foram suficientes. O Supremo sublinhou que a ausência de documento público inviabiliza o direito à pensão, mesmo quando há uma vida partilhada longa e comprovada.
A decisão, embora polémica, reforça a importância de legalizar a relação perante as autoridades para garantir proteção futura, de acordo com o Noticias Trabajo.
E se acontecesse em Portugal?
Em Portugal, a situação teria contornos diferentes, mas o desfecho poderia ser semelhante. A legislação portuguesa reconhece as uniões de facto através da Lei n.º 7/2001, que regula os direitos e deveres dos casais não casados.
Para efeitos legais, é necessário comprovar dois anos de convivência em condições análogas às dos cônjuges, podendo essa prova ser feita através de uma declaração conjunta emitida pela junta de freguesia da área de residência.
No entanto, no caso de pensão de sobrevivência (equivalente à pensão de viuvez), o Decreto-Lei n.º 322/90, que aprova o regime das pensões de sobrevivência no âmbito da Segurança Social, exige que o membro sobrevivo comprove a existência da união de facto e a dependência económica do falecido. A Segurança Social portuguesa aceita esta comprovação mediante declaração da junta e outros elementos, como contas conjuntas ou residência comum.
A diferença está no formalismo
Em Portugal, ao contrário de Espanha, não é obrigatório o registo público prévio da união de facto. No entanto, se o casal nunca tiver feito a declaração na junta de freguesia, o sobrevivente pode ter dificuldade em provar a relação. E sem essa prova, também aqui o pedido de pensão pode ser recusado.
Assim, se o caso de Antonieta tivesse ocorrido em Portugal, tudo dependeria da existência de provas documentais da convivência. Se não houvesse declaração emitida pela junta ou outro meio de prova convincente, a Segurança Social portuguesa poderia igualmente indeferir o pedido, tal como aconteceu em Espanha.
O aviso que fica
Tanto em Espanha como em Portugal, a mensagem é clara: viver juntos durante anos não basta para garantir direitos legais após a morte de um dos membros do casal. Formalizar a união, mesmo que apenas através de uma simples declaração, é a única forma de assegurar proteção jurídica e acesso a prestações sociais, como a pensão de sobrevivência.
Uma lição amarga para muitos casais que, confiando no reconhecimento social da sua relação, acabam por descobrir tarde demais que a lei nem sempre acompanha os desejos de um e de outro.
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