Durante mais de 16 anos, um homem em Espanha continuou a receber todos os meses a pensão de reforma do pai, já falecido, sem comunicar o óbito às autoridades. O caso chegou agora ao fim, com o Supremo Tribunal espanhol a confirmar a condenação e a obrigar o arguido a devolver 231.306,91 euros ao Instituto Social da Marinha (ISM), entidade equivalente à Segurança Social portuguesa para os trabalhadores do setor marítimo.
O caso e os montantes em causa
De acordo com o jornal económico espanhol Cinco Días, o caso remonta a 1999, ano em que o pensionista faleceu. A sua viúva comunicou o óbito para requerer a pensão de viuvez, que foi concedida pouco tempo depois.
No entanto, devido a um erro administrativo, os pagamentos da pensão do falecido nunca foram suspensos. O dinheiro continuou a ser depositado na conta bancária do casal, então sediada na Caja General de Ahorros de Canarias (CajaCanarias), instituição que mais tarde se integrou no CaixaBank.
Meses depois, o filho foi adicionado como cotitular da conta e passou a geri-la. Sabendo que as transferências indevidas continuavam a ser feitas, não comunicou o erro nem à Segurança Social nem ao banco.
Entre abril de 1999 e julho de 2015, o valor total recebido indevidamente atingiu 317.465,19 euros. Deste montante, o banco devolveu 79.682,36 euros, correspondentes aos últimos quatro anos, ficando o arguido responsável pela restituição dos restantes 231.306,91 euros, valor que agora deverá ser pago ao ISM.
Condenação, recurso e reversão
Em primeira instância, a Audiência Provincial de Santa Cruz de Tenerife considerou provado que o arguido “sabia que a pensão do pai continuava a ser depositada na conta” e que se aproveitou dessa situação “em benefício próprio”.
Por isso, foi condenado a dois anos de prisão, ao pagamento de uma multa de 400 mil euros e à devolução integral do valor indevido, ficando ainda quatro anos impedido de aceder a subsídios ou benefícios da Segurança Social.
Posteriormente, o Tribunal Superior de Justiça das Canárias (TSJ) anulou a condenação, entendendo que o erro era de natureza exclusivamente administrativa, uma vez que o ISM já tinha sido notificado do falecimento pela viúva.
O Supremo Tribunal, contudo, reverteu essa decisão em 27 de janeiro de 2025, considerando que o silêncio do arguido configurou uma conduta omissiva e enganosa, suficiente para preencher o crime de fraude contra a Segurança Social.
“Silêncio prolongado é ocultação”
Segundo o acórdão citado pelo Cinco Días, o Supremo sublinha que “ocultar um falecimento é um engano idóneo e suficiente”, uma vez que a Administração “não é obrigada a comprovar mensalmente a sobrevivência do pensionista”.
A decisão refere ainda que o arguido “alimentou o erro de forma deliberada”, prolongando durante anos o pagamento indevido e movimentando os valores como se lhe pertencessem.
O tribunal reforça também que a omissão do beneficiário (ou de quem tem o dever legal de comunicar o falecimento) não o isenta de responsabilidade, mesmo quando existe falha administrativa. O dever de informar qualquer irregularidade permanece, independentemente da negligência da Administração.
Um caso com valor de precedente
Para o Supremo Tribunal, este caso estabelece um precedente importante: o silêncio prolongado perante um erro de pagamento é considerado fraude ativa, e não simples passividade. A decisão encerra uma disputa judicial de mais de uma década e confirma que o arguido deverá restituir 231.306,91 euros à Segurança Social espanhola.
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