MUDAR DE IDEIAS, MUDAR DE VALORES
Mesmo tomando como exemplo extremo o actual primeiro-ministro que, sobre a TAP, já mudou de opinião como quem muda de camisa – até ver, sete vezes no curto período de uma década – mudar de ideias não é sinónimo obrigatório de falta de convicção. Pelo contrário, António Costa tem mostrado à saciedade ser capaz de defender tudo e o seu contrário, com a mesma dose insuperável de convicção, o que o torna notável entre os notáveis da actual turma política que preside aos destinos da nação. Perante novas informações, factos e novos problemas, exige-se a quem governa uma flexibilidade mental para encontrar novas soluções. Às vezes, isto requer coragem, outras manifesta-se à evidência a falta de competência congénita. Mas há um cuidado a precaver: nunca se confunda esperteza com inteligência. A primeira releva da mudança por oportunismo e conveniência momentânea. A segunda decorre da crítica e da reflexão ética, que têm permitido o desenvolvimento moral da sociedade.
Durante milénios a escravatura era moralmente aceitável, hoje já não é, tal como a discriminação racial, embora ainda persistam em diferentes formatos da modernidade corrente. Por natureza, o ser humano é conservador e avesso à mudança, só que, indiferente a isso, “sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança”, como filosofava cantando o eterno Manuel Freire. Ghandi disse que as pessoas têm medo das mudanças, enquanto ele temia que as coisas nunca mudassem. Há um velho ditado que afiança que só os burros é que não mudam. Errado! Há muita gente com neurónios de alto quilate que não mudam de opinião por pura teimosia, por fanfarronice e por simples protecção do orgulho de quem não se quer rebaixar e admitir o erro. Mudar de emprego, de cidade, de cônjuge, de país, de profissão, de carro, de alimentação, de aparelho genital até, tornou-se frequente na sociedade actual.
A transformação está a correr em ritmo vertiginoso, demasiado, contrariando a visão aristotélica de que a virtude está na moderação evitando os excessos. Não há verdades eternas, mas mudar de opinião não implica mudar de valores, que é aquilo a que se está assistindo de forma assustadora, um retrocesso civilizacional em curso aos olhos de toda a gente, perante a inércia de quase todos e a cumplicidade de quem manda. São muitos, uma longa lista de princípios fundamentais, e de normas de conduta consolidadas ao longo dos tempos desde que a Humanidade existe. Cada qual terá as suas opções, as suas preferências, os moldes do seu carácter. Sem pretender ser exaustivo e sem ordem prioritária, aqui ficam as minhas referências de: verdade, justiça, integridade, transparência, honestidade, probidade, respeito, solidariedade, gratidão, confiança, família, amizade, lealdade, liberdade.
RASPA, RASPA, RASPADINHA
Por detrás de cada esquina da vida mora uma tentação para o vício. A oferta é imensa, reproduz-se como amibas. Pode ser droga ou álcool, fármacos ou tabaco. Agarrados pela Internet, grudados no telemóvel, um mundo de Apps à disposição. Coitada da televisão, tomada refém pelo mundo da bola e patifarias conexas das casas de apostas. Há vícios e maus hábitos que criam dependências, depressa substituindo os prazeres iniciais de uma primeira baforada, primeira pica, uma viagem ao mundo novo das sensações psicadélicas.
Há portas que se franqueiam sem regresso. Tornam-se doenças que comprometem irremediavelmente comportamentos e percepções, de juízo perdido, ao serviço exclusivo do saciar de um desejo individual e irresistível. Mal de quem cai nesse poço, com todas as consequências danosas ao nível financeiro, patrimonial, judicial, laboral de saúde e, claro, ao nível pessoal e familiar. Entra-se num estado de negação e de mentira. Foquemo-nos na adição pelos jogos de azar e de apostas, hoje exponenciado pelo mundo online, mas multiplicado numa panóplia de sorteios e lotarias de venda livre, sem controle de viciados como sucede nos Casinos convencionais. Entre eles, destaca-se a raspadinha, onde o tempo que medeia entre a aposta e o resultado é mínimo, logo, maior é o risco de o apostador repetir a jogada e criar adição.
Estudo recente trouxe a lume que este é o jogo dos mais pobres e dos mais velhos, na ilusão de ganhar algum dinheirito para fazer face às dificuldades do dia a dia. São 100.000 em Portugal, com esta perturbação patológica de jogo. Há dias, Marques Mendes defendeu na televisão o fim da raspadinha.
Como compreender que o governo, ao invés de o fazer, acabe de criar mais uma modalidade, o Eurosorteio, mais uma jogatana em exclusivo de exploração para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa? São os pobres do país inteiro que têm que pagar as negociatas falidas da Santa Casa no Brasil? Em vez de resolver um problema social, agrava-se? Quando acabará este escândalo? Ninguém vai preso? Ninguém é responsabilizado?
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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