O Governo admite criar uma nova legislação que enquadre o plano de desconfinamento, que será amanhã aprovado em Conselho de Ministros, e que permita ao Governo libertar o país do estado de emergência, sem perder de vista eventuais restrições que tenham de ser impostas localmente. A ideia é que a legislação permita ao Governo intervir mais rapidamente nas restrições sanitárias em caso de descontrolo da pandemia, sem precisar do decreto do Estado de Emergência (que tem de ser revisto a cada 15 dias).
As reuniões que o primeiro-ministro tem levado a cabo com os partidos com assento parlamentar, esta terça e quarta-feira, têm servido também para medir o pulso aos partidos sobre esta alteração legislativa especial para o desconfinamento, sendo certo que só apresentará a proposta legislativa à Assembleia da República se houver consenso para aprovação.
A ideia do Governo, sabe o Expresso, é planear um desconfinamento gradual no espaço de seis meses, até ao final do verão, de acordo com a matriz dada pelos especialistas – balizada em cinco níveis de risco. Uma vez que se antevê um período longo de restrições (até que se atinja a imunidade de grupo conseguida pela vacinação) e como o modelo prevê níveis regionais, o Governo quer maior estabilidade legal para agir caso a caso, se houver necessidade de apertar medidas num local e não noutro. Ou seja, não quer ter de esperar pelo Parlamento para aprovar nova renovação do estado de emergência. Isso atrasa o processo no terreno e foi um dos fatores que dificultou a resposta no Outono passado em alguns concelhos, onde havia um agudizar da situação a meio dos estados de emergência.
Além disso, no Governo sente-se a necessidade de flexibilizar o processo a nível regional e enquadrar o modelo científico para o futuro. Fonte do Governo refere ao Expresso que é a primeira vez que há um “leque pré-definido de medidas para cada nível em função do que for a situação epidemiologica”, daí que se pretenda aprovar um quadro legal que enquadre estas medidas. Depois, tudo depende da situação pandémica e da evolução dos números. O Governo quer poder ter mais margem para aplicar a matriz científica dada pelos especialistas, abrindo o país mas pondo travões locais sempre se se justificar.
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Há várias hipóteses e vias em cima da mesa (e ainda não é certo que a nova legislação avance): criar uma lei de emergência sanitária, fazer alterações ao estado de alerta ou de calamidade, ou mesmo alterações à Lei de Bases da Saúde ou à Lei de Bases da Proteção Civil. Isso mesmo foi revelado aos jornalistas pelo deputado André Ventura, no final das reuniões com Governo e Presidente da República.
SUBSTITUIR O ESTADO DE EMERGÊNCIA MAIS CEDO?
O que quer que venha a ser feito, tem de ser feito já, uma vez que o processo legislativo ainda é demorado, e os planos do Governo passam por criar um novo enquadramento legal a partir de meados de abril, na melhor das hipóteses. As contas são simples: esta quinta-feira é renovado o Estado de Emergência por mais 15 dias, e a conferência de líderes já agendou para dia 25 de março uma outra renovação. Somando a isso 14 dias, faz com que o atual enquadramento ainda dure até meio do mês de abril. Depois disso, espera-se que o país já esteja em níveis mais avançados de desconfinamento, pelo que, depois, é só vigiar e estar preparado para agir.
Ao que o Expresso apurou, o timing está definido: trabalhar já nessa lei (ou alterações à lei) para que possa vir a ser aplicada em abril (ou maio) para que sirva de chapéu legal à atuação do Governo até outubro. Isto é, até o processo de imunidade de grupo ficar concluído por via da vacina, o que poderá acontecer no final do Verão. O padrão de 5 níveis para o desconfinamento validado pelos especialistas tem precisamente uma duração de 6 meses para coincidir com este calendário da vacinação.
O Estado de Emergência pode, assim, terminar mais cedo mas as restrições continuarem. Os níveis de desconfinamento dos peritos vão de 0 a 5, sendo que no Governo há quem lembre que só os níveis 4 e 5 exigem estado de emergência. Nos níveis intermédios, portanto, é preciso maior flexibilidade de atuação.
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Na primeira abordagem com o PSD sobre esta matéria, a perceção com que o executivo ficou foi de que o maior partido da oposição não se irá opor. E esta quarta-feira Rui Rio confirmou-o, em termos gerais: “Reconheço que era mais prático, ter uma lei para esta pandemia”, se isso for traduzido “num novo quadro legal que não existe e que permita tomar esse tipo de medidas sem ter a Assembleia e o Presidente de votar e fazer um decreto de duas em duas semanas, que é no essencial o mesmo”.
O Expresso sabe que os sociais-democratas estão sensíveis ao argumento de que é preciso agir com mais antecedência (e a baliza dos 15 dias não permite essa atuação), mas receiam que haja respaldo legal para medidas tão restritivas como é o caso do isolamento obrigatório de casos suspeitos. As restrições à circulação ou medidas como as associadas ao recolher obrigatório também têm de ter enquadramento legal, que o PSD duvida de que seja possível sem Estado de Emergência.
LEI DE EMERGÊNCIA SANITÁRIA?
À medida que os partidos vão saindo da reunião com Marcelo Rebelo de Sousa vão também dando sinais de que haverá uma solução jurídica em marcha para este desconfinamento – com acordo do chefe de Estado. “O Presidente partilhou a preocupação de que o Estado de Emergência é um instrumento demasiado forte para lidar com uma pandemia. E informou-nos que o Governo pediu à Provedora de Justiça um anteprojeto, para ter em vigor até às autárquicas de outubro, de uma lei de emergência sanitária”, disse João Cotrim de Figueiredo, pedindo “parcimónia” na análise de qualquer lei de emergência sanitária que venha a surgir, para não se correr o risco de limitar em excesso as liberdades e garantias.
Esta solução de que fala o líder da Iniciativa Liberal, de uma futura alteração à legislação sob proposta da Provedora de Justiça, é um trabalho à parte daquele que o Governo quer que exista agora para o desconfinamento. A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, está a fazer uma reflexão sobre o enquadramento jurídico das decisões de gestão da pandemia e de como integrá-las na legislação portuguesa para lá da atual pandemia e não para que vigore nos próximos tempos.
No início, António Costa resistiu ao estado de emergência, abraçando-o depois. Para o primeiro-ministro a junção das leis de saúde com a Lei de Bases da Protecção Civil eram suficientes para as medidas de confinamento. Uma ideia que acabou por abandonar por causa de diversas opiniões de juristas – e do próprio Presidente da República – que advogam que para que sejam tomadas algumas medidas é necessário o estado de exceção máximo. Contudo, o prolongamento no tempo dos estados de emergência (vamos para o 13º) tem acentuado a presença dos defensores de uma lei à parte, para gestão da situação de saúde. Ana Gomes, por exemplo, defendeu uma lei de emergência sanitária na campanha para as eleições presidenciais.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso