Há partidos que, como certas peças de mobiliário antigo, mantêm o nome por respeito à tradição, mesmo quando já não servem para guardar o que prometiam. O Partido Socialista, por exemplo, continua a ostentar o rótulo com orgulho, embora o conteúdo — o tal socialismo — tenha sido cuidadosamente dobrado e arrumado numa gaveta que só se abre em exposições retroativas ou em comícios nostálgicos.
Recentemente, esse mesmo partido anunciou que se irá «abster exigentemente» na votação do Orçamento de Estado. A expressão, que parece saída de um manual de yoga legislativa, sugere uma nova modalidade de participação política: o voto zen, em que se não vota, mas se exige. Uma espécie de presença ausente, com direito a exigência sem compromisso. É o nirvana parlamentar.

Jurista
O partido apoia, mas não obriga. É um apoio em regime de liberdade condicional. Uma espécie de casamento político com separação de boletins
E como se não bastasse essa ginástica semântica, o partido decidiu apoiar a candidatura presidencial de António José Seguro — outrora conhecido como Tó Zé, nome de pastel de nata e juventude partidária, hoje reciclado em António José, versão senhorial com cabelos grisalhos e nome composto, como convém a quem aspira ao retrato oficial em moldura dourada. Mas atenção: trata-se de um apoio sem apólice. Um seguro sem cobertura. Um endosso com cláusula de fuga.
Os militantes, esses, ficam livres para votar como quiserem. O partido apoia, mas não obriga. É um apoio em regime de liberdade condicional. Uma espécie de casamento político com separação de boletins.
Este tipo de posicionamento — abster-se exigentemente, apoiar sem vincular — revela uma nova estética partidária: a da ambiguidade performativa. O partido quer estar presente, mas sem deixar pegadas. Quer influenciar, mas sem assumir. É o socialismo em modo fantasma, o apoio em modo holograma.
Talvez estejamos perante uma nova escola de pensamento político: o «socialismo líquido», que se adapta à forma do recipiente — seja ele o Orçamento, a candidatura presidencial ou a opinião pública do momento. Um socialismo que escorre entre os dedos, mas que ainda se chama socialista. Porque mudar de nome, convenhamos, dá mais trabalho do que mudar de posição.
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