Mãe, Doce Mar é o mais recente romance de João Pinto Coelho, autor publicado pela Dom Quixote. E como ironicamente se pode ler no próprio livro, este não será o romance que os leitores esperavam de um autor que nos tem habituado a narrativas centradas na Segunda Guerra Mundial.
Mãe, Doce Mar conta a história de Noah. Para isso, reparte-se por várias personagens, criando um tríptico de histórias que se entrelaçam, contadas na primeira pessoa.
“Tinha doze anos quando conheci a minha mãe – esta frase dá para tudo, até para abrir um romance.” (p. 9)
É com esta emblemática frase que efetivamente inicia o romance. E é também esta frase que, de certo modo, o fechará.
Depois de passar a infância num orfanato, Noah conhece Patience, a mãe, aos doze anos, no átrio de um aeroporto do Luisiana.
Patience torna-se o centro do mundo de Noah, e na primeira parte leremos como passam temporadas juntos, na casa de praia de Cape Cod, ou no teatro do Connecticut onde acabam por vir a trabalhar juntos. Contudo o enigma do seu abandono continuará por resolver, apesar de a própria Patience ter passado 9 anos da sua vida num colégio de freiras.
É também frente ao mar que Noah conhece Frank O’Leary, um jesuíta irlandês sexagenário, e conhecido por ser o mais excêntrico da província, que guia um Rolls-Royce às cores. Um padre que se torna uma espécie de amigo para Noah, com a sua própria história, como leremos na segunda parte do romance: os seus anos de estudante; a convicção da sua vocação; o bar irlandês de Boston onde ele e os amigos bebiam cerveja e recitavam poemas; e Catherine, a jovem ambiciosa que se move entre tribunais com um olho no Capitólio, e que tenta seduzir Frank de modo a desviá-lo da sua fé.
Um belíssimo livro, de uma das novas mas já cimentadas vozes da literatura portuguesa, que se lê de um fôlego, onde não faltam ressonâncias de Charles Dickens que, de certa forma, também faz por aqui uma aparição.
“As mães ligam-nos ao mundo, cada vez mais me convenço; perdes a tua, deixas de fazer parte, fica tudo mais hostil.” (p. 179)
Com temas como a solidão, a insularidade existencial, a orfandade, este é um romance com o mar como palco que desmascara a vida como teatro, face às máscaras e personagens que por vezes vestimos para poder singrar.
“O que deslumbra no mar é tudo o que o mar não mostra, esse além para onde se somem os navios em viagem. Não é o sossego rasante que se espraia sobre as águas nem o cântico das ondas. Isso é apenas beleza, a primeira desistência de quem decide morrer.” (p. 22)