Ocorreram algumas alterações significativas de âmbito político-sociológico, nas últimas eleições autárquicas, legislativas em Portugal e até mesmo para as europeias no ano de 2024, face aos resultados obtidos que eram até então habituais. Dever-se-ia fazer uma reflexão séria, acerca deste acontecimento.
Que leitura poder-se-á fazer da notada alteração que ocorreu, relativa aos resultados eleitorais dos partidos considerados do arco das governações em Portugal e mesmo para o parlamento europeu, relativamente, à ascensão da extrema-direita?
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1. Começo por analisar algumas situações ocorridas no nosso país, conducentes ao surgimento da Democracia com o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 e, também, com o movimento militar de 25 de Novembro de 1975.
A mudança de regime político em Portugal partiu da acção das nossas forças armadas, tendo por base uma insatisfação, emergente das condições profissionais dos então oficiais de carreira e, por conseguinte, culminando com o movimento militar, baseado nos interesses dessa corporação.
É evidente que perante a dita revolta militar, o povo, também, ele insatisfeito com a acção do regime do Estado Novo e as dificuldades económico-sociais, entre outras que passava, acabou por se juntar ao golpe de Estado no 25 Abril de 1974, que terminou em sucesso, sem ter havido, praticamente, derramamento de sangue – a Revolução dos Cravos.
Após um percurso agitado e confuso de crise governativa, no pós-25 de Abril de 1974, outra movimentação militar ocorreu em 25 de Novembro de 1975, vindo dar a estabilidade ou solidez à necessária democracia, culminando na promulgação da Constituição da República a 25 de Abril de 1976.
2. Foi constituída uma Democracia de Representação para o nosso país e o povo ficou convicto de que a mesma iria satisfazer o desejo geral dos portugueses.
Infelizmente, no meu particular entendimento e até hoje, este tipo de democracia tem desviado ou desvirtuado o seu rumo, relativamente ao expectante acerca de um aperfeiçoamento e construção progressiva da democracia e, isto, por falta de Participação eficaz dos cidadãos em decisões
importantes das governações.
Ao longo do tempo o povo depositou a sua inteira confiança, através do seu voto nos actos eleitorais e por sufrágio universal, nos chamados partidos do arco de governação, sobretudo, no PS e PSD.
Contudo, estes dois partidos políticos mais parecem pensar em servir-se do sistema do que servi-lo, devidamente…
Aliás, seria esperado que o Socialismo Democrático ou a Social Democracia, sendo representados por partidos moderados do centro esquerda e centro direita (não utópicos), trabalhariam no sentido da aproximação de classes mas o que se tem verificado até hoje é que na acção, tal não tenha ainda acontecido, convenientemente.
Infelizmente, as assimetrias sociais são notórias e o mau exemplo começa logo a ser dado a partir de cima pelos próprios governantes e deputados.
Primeiro, no partir e repartir dos “Bolos Orçamentais do Estado” pelos governos, tem sido tirada por eles a sua boa fatia com a anuência e aprovação da AR, criando uma diferenciação acentuada em relação aos demais trabalhadores portugueses, tanto nos salários como nos diversos subsídios e outros privilégios.
As reações não se fizeram esperar no tempo por efeito de vários factores em que a extrema-direita veio aproveitar o momento certo, denunciando e prometendo ao eleitorado tudo vir a recompor e a fazer.
A região do Algarve foi aquela mais significativa, onde o partido CHEGA, conotado com a extrema-direita, se tem feito notar.
3. Houve várias situações que deram origem às novas reacções políticas dos algarvios, nomeadamente:
– o Algarve tem-se debatido com o aumento da sua população, sobretudo, com a fixação exponencial de estrangeiros reformados e imigrantes, na procura de melhores condições de vida;
– o preço das casas pela procura/oferta tem aumentado, bem como a insuficiência de habitações de carácter social, o turismo igualmente afluido em maior número, o nível de vida a subir, significativamente, as condições de acesso ao emprego pela concorrência de mão de obra barata tem vindo a dificultar a vida aos algarvios e estes não têm conseguido acompanhar todas estas mudanças e movimentos;
– os jovens qualificados, e não só, não conseguem emprego estável e bem remunerado para fazerem face ao custo de vida e outras necessidades, a não ser ligados ao turismo, restauração e serviços mas que são na maioria sazonais e precários;
– o setor produtivo carece de maior implementação no Algarve para serem gerados mais postos de trabalho diferenciados.
– os serviços de saúde nesta região são conhecidos como sendo já insuficientes para as necessidades da população do Algarve, que desde há anos vem “reclamando” por um novo hospital público central e melhoramentos, também, a serem efetuados nos respectivos centros de saúde dos concelhos, relativamente, sobretudo, aos serviços de urgência 24 horas, a acrescentar ainda a falta de profissionais nesta área.
– a situação na Agricultura e Pescas, que são dois sectores fundamentais económicos, tem sido descurada pelos vários governos;
– as mudanças climatéricas tem condicionado muito do nosso desenvolvimento económico com a falta de água nas barragens;
– não têm sido construídos reservatórios de abertura e fecho automático, junto às ribeiras de maior caudal em bons momentos pluviais (inverno), evitando assim cheias prejudiciais nas zonas ribeirinhas de algumas das localidades e como reserva de água para tempos de seca;
– a água da Foupana deveria ser melhor aproveitada para reforço às barragens de Odeleite e Beliche, no Sotavento algarvio;
– a ligação ao Pomarão (no Guadiana) a estas barragens seria de suma importância, mas até hoje nada disto aconteceu;
– as perdas de água nas condutas de distribuição, carecem de manutenção e algumas substituídas:
– o preço da água doméstica é elevado, tendo ainda em conta o custo acrescido na facturação da água com a inclusão do saneamento básico e resíduos sólidos – uma medida não compreendida e quiçá irracional do ponto de vista dos consumidores;
– diz-se haver falta de água para abastecimento doméstico e regas mas no entanto correm, livremente, para o mar, milhares ou milhões de hectolitros de água que jorram de muitas fontes existentes no Algarve mas os diversos interesses das empresas cobradoras e exploradoras, parece querer ignorar tudo isto.
4. Muitos projetos e promessas políticas para minimizar a falta de água no Algarve têm sido apresentados em momentos eleitorais pelos diversos partidos políticos, uns mais e outros menos.
O que é certo é que pouco ou nada tem sido feito nesse sentido, a não ser o grande aumento rápido de culturas intensivas e campos de golfe para rega.
Em conclusão: Por todo o descontentamento, desânimo e reação ao governo de então, a extrema-direita conseguiu mobilizar muita gente, obtendo um bom resultado eleitoral e que deveria gerar uma grande reflexão, nomeadamente, por parte do PS e PSD como primeiras forças políticas no nosso país.
Leia também: Por uma autonomia política e administrativa do Algarve | Por Ludgero Faleiro