Uma técnica de farmácia que trabalhou durante 27 anos numa farmácia do sul de França vai receber 34.800 euros de indemnização depois de ser despedida por não possuir a titulação exigida para o cargo. O Tribunal de Casação considerou que a responsabilidade de verificar as habilitações da trabalhadora cabia ao empregador, que não o fez durante décadas.
De acordo com o jornal digital francês, La Dépêche, o caso ainda terá de ser analisado novamente pelo Tribunal de Apelação, devido a um recurso apresentado.
O início de tudo
Tudo começou em 1998, quando uma jovem assinou o seu primeiro contrato para trabalhar numa farmácia local. Vestida com bata branca, iniciou funções como técnica sem que ninguém percebesse que não possuía o diploma exigido por lei.
Durante quase três décadas, a sua carreira decorreu normalmente, até que a farmácia foi vendida. Os novos responsáveis, ao rever os registos, perceberam que a funcionária não tinha a titulação exigida. Segundo a mesma fonte, a situação, que tinha passado despercebida por tanto tempo, transformou-se num problema legal quando se tornou visível aos novos gestores.
A inspeção que mudou tudo
No final de 2017, uma inspeção aleatória da Agência Regional de Saúde (ARS) revelou oficialmente a ausência do diploma de técnica de farmácia. Os empregadores tentaram contactar a trabalhadora verbalmente e depois enviaram duas cartas. Como ela se encontrava de baixa por doença, não respondeu. Pouco tempo depois, foi suspensa e, mais tarde, despedida por alegada falta grave, sendo acusada de mentir e de não cumprir o dever de boa fé.
A trabalhadora defendeu sempre que nunca tinha escondido a situação e que trabalhava com autorização prévia. A falha ocorreu porque o novo proprietário não verificou os registos ao assumir a farmácia, mantendo a situação durante anos sem qualquer controlo documental.
Decisão judicial e recurso
Em 2021, o tribunal laboral considerou o despedimento improcedente e ordenou o pagamento de mais de 34.800 euros de indemnização. A farmácia recorreu e, em 2023, o Tribunal de Apelação deu provimento ao empregador, alegando que a técnica tinha incumprido o dever de lealdade ao não informar sobre a sua qualificação. Esta decisão obrigou a trabalhadora a suportar as custas do processo.
O recurso ao Tribunal de Casação voltou a inverter a decisão. O tribunal concluiu que o empregador, ao manter a relação laboral durante tantos anos sem verificar a titulação, não podia agora alegar negligência da funcionária. Henri Guyot, advogado laboralista do gabinete Aerige, explicou que o erro ocorreu provavelmente durante a transferência da farmácia, quando os novos donos assumiram o pessoal sem conferir os dossiers. Sublinhou que, em profissões reguladas, a obrigação de verificar as qualificações é sempre da empresa.
Responsabilidade do empregador
O caso regressa agora ao Tribunal de Apelação para uma nova análise, mas a decisão do alto tribunal estabelece que o empregador tem a responsabilidade de garantir que todos os trabalhadores cumpram os requisitos legais. A indemnização confirma que a fiscalização das normas é uma obrigação legal das empresas, e que a omissão não pode ser transferida para o trabalhador.
Como funciona em Portugal
Em Portugal, um despedimento por alegada falta de habilitações em profissões reguladas segue as regras do Código do Trabalho, que prevê justa causa quando há violação culposa de deveres do trabalhador. Mas o empregador tem sempre o ónus de provar os factos que invoca.
Cabe ao empregador demonstrar a gravidade da falta e a necessidade do despedimento, e o trabalhador pode contestar a decisão judicialmente dentro do prazo legal. A jurisprudência recente reforça que, se o vínculo laboral se mantém durante anos sem verificação de habilitações, essa omissão pesa na avaliação da licitude do despedimento e pode levar à sua declaração de improcedência.
A Autoridade para as Condições do Trabalho acompanha o cumprimento das normas laborais e pode intervir quando há falhas na verificação documental em sectores regulados. Em casos mais graves, podem ser aplicadas coimas ou outras medidas administrativas. Segundo o La Dépêche, este tipo de controlo é essencial para proteger trabalhadores e clientes, evitando que erros de fiscalização recaiam sobre quem exerce funções de forma legal e honesta.
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