O planeta inteiro está a sofrer com o agravamento das alterações climáticas, impulsionado pela concentração crescente de gases de efeito estufa na atmosfera, especialmente o dióxido de carbono (CO₂). Nesse contexto, o sequestro de carbono — a capacidade de certos sistemas naturais de absorver e armazenar CO₂ — surge como uma estratégia crucial. Imagine, caro leitor, parte da solução pode estar mesmo aqui ao nosso lado!
Todos nós estamos familiarizados com o sequestro de carbono verde que se refere ao processo realizado pelas plantas terrestres, principalmente florestas tropicais e temperadas, que capturam CO₂ da atmosfera por meio da fotossíntese e o armazenam na biomassa e no solo. Menos conhecido, o sequestro de carbono branco ocorre em ambientes hipersalinos, como salinas naturais e lagoas salgadas, que têm a capacidade de armazenar carbono orgânico de forma estável devido à baixa decomposição microbiana.
O projecto SalC – Valorização das Salinas para o Sequestro de Carbono e Mitigação das Alterações Climáticas é uma iniciativa inovadora liderada pelo BlueZ C Institute, uma spinoff da Universidade do Algarve dedicada à conservação marinha e economia do carbono, em parceria com o Município de Castro Marim, a Eurocidade do Guadiana e a empresa MadeinSea. Este projecto visa transformar as salinas tradicionais de Castro Marim, propriedade da MadeinSea, em sumidouros naturais de carbono, explorando o conceito emergente de sequestro de carbono branco.

Doutorada em Filosofia Contemporânea, investigadora da Universidade Nova de Lisboa
A estética ambiental, longe de ser uma abstração, tem implicações práticas. Ao educar a percepção, ela transforma o olhar e, por consequência, o agir
Como é isto possível? A ideia da BlueZC é a de restaurar o ecossistema de ervas marinhas que tem uma capacidade de sequestro de carbono entre 8 e 30 vezes superior ao de uma floresta verde! O projecto pretende criar uma maternidade de ervas marinhas nos canais de água salgada que alimentam os tanques de evaporação que, posteriormente, darão lugar aos cristalizadores onde se produz o sal.
Os investigadores também já demonstraram que as ervas marinhas ajudam à purificação da água incluindo a retenção de microplásticos, beneficiando directamente a produção de sal. Deste modo, o projecto visa aumentar a cadeia de valor da salinicultura tradicional, transformando uma actividade sazonal em permanente e criando novos postos de trabalho qualificados.
Com um investimento total de cerca de 200.000 euros, financiado em 75% pela Fundação La Caixa, o projecto SalC foi vencedor do Prémio Promove 2023, reconhecendo o seu potencial na dinamização das regiões do interior de Portugal e na promoção de práticas sustentáveis.

Implementado neste momento nas salinas de Castro Marim, estuda-se a viabilidade de expansão de Sal C para outros ecossistemas na região e, potencialmente, para empresas salineiras no sul da Europa. Neste sentido, e tendo como parceiro a Eurocidade do Guadinana, os investigadores já se encontram em contacto com as Salinas del Aleman, únicas na província de Huelva onde se extrai sal por métodos tradicionais. A visita realizada em Dezembro passado permitiu o intercâmbio de experiências e o gizar de planos de expansão para replicação desta ideia.
Tudo isto são muito boas notícias e devemos sentir-nos orgulhosos por estes investigadores portugueses estarem a levar a cabo um projecto único no mundo (por enquanto) e com tanto potencial de expansão futura. Porém, como referi acima, desenvolver processos de sequestro de carbono baseados na natureza constitui apenas parte da solução. É essencial resolver os problemas estruturais reduzindo as emissões de carbono de forma contundente.
A Ética Ambiental chama a atenção para a falácia da solução tecnológica. Esta falácia refere-se à tendência para se confiar exclusivamente na inovação técnica como saída para problemas éticos e sistémicos, desresponsabilizando os principais emissores e postergando mudanças estruturais.
Se o sequestro de carbono for utilizado como substituto para a redução real das emissões — permitindo que as empresas continuem a poluir sob o pretexto de compra de créditos de carbono que supostamente as deixariam numa situação de neutralidade carbónica — em termos reais, a concentração de carbono na atmosfera não diminui! A compra de créditos de carbono pode transformar-se numa ferramenta de greenwashing, isto é, uma estética de sustentabilidade que encobre práticas destrutivas. Nesse caso, longe de ser uma solução ética, este procedimento poderia tornar-se numa forma de manutenção do status quo, mascarando desigualdades e injustiças ambientais.
Por outro lado, a ética Ambiental propõe a superação do antropocentrismo tradicional — a ideia de que os seres humanos ocupam posição central e superior na hierarquia dos seres vivos e plantas. Autores como Arne Naess (1912-2009), filósofo ecologista norueguês, e Aldo Leopold (1887-1948), que fundou da ciência da conservação nos EUA, propõem, respectivamente, o ecocentrismo e a ética da terra, que estendem o valor moral intrínseco a todos os componentes da biosfera. Sob esta perspectiva, a natureza não é apenas um recurso à disposição da humanidade, mas um conjunto interdependente de seres com direitos próprios. Assim considerada, a mitigação das alterações climáticas deixa de ser apenas um imperativo de sobrevivência humana e passa a ser uma obrigação moral de justiça inter-espécies e inter-geracional. O sequestro de carbono, nesse contexto, deve ser apreciado não apenas pela sua eficácia em reduzir emissões, mas pela sua inserção num projecto ético de reconexão com o nosso planeta e todos os seus habitantes e habitats. Neste sentido, o município incluiu a divulgação do projecto Sal C no agrupamento escolar de Castro Marim para cerca de 60 alunos no âmbito das ações de educação ambiental enquadradas no programa Bandeira Azul, cujo tema este ano é o Restauro da Natureza.

SalC inclui também uma secção de educação ambiental que se subdivide em duas vertentes: uma com públicos mais técnicos, cientistas e produtores de sal; e outra (fora da caixa de que falaremos em pormenor num próximo artigo) com públicos generalistas desde as escolas do município aos adultos e potenciais eco-turistas. Mas levantemos um pouco o véu: a ética ambiental, ao propor limites morais à ação humana sobre os ecossistemas, costuma estar ancorada em argumentos científicos, jurídicos ou de sobrevivência. No entanto, um campo menos explorado — e não menos fundamental é o da Estética Ambiental: a ideia de que a experiência sensível da beleza natural pode e deve ser um fundamento ético na maneira como nos relacionamos com o mundo natural.
A estética ambiental, longe de ser uma abstração, tem implicações práticas. Ao educar a percepção, ela transforma o olhar e, por consequência, o agir. Comunidades que desenvolvem sensibilidade estética pela paisagem tendem a defender o seu território com mais empenho.
Desde Platão, passando por Kant, até aos pensadores contemporâneos, a filosofia reconhece que a experiência da beleza possui um poder formativo — desperta admiração, humildade e uma sensação de pertença. Kant, na Crítica da Faculdade do Juízo, defende que o juízo estético puro é desinteressado: admiramos o belo não pela sua utilidade, mas por si mesmo. Esse desinteresse ensina-nos a valorizar algo sem querer possuí-lo ou dominá-lo — uma postura profundamente ecológica.
Assim, o contacto com a beleza das salinas, a brancura transparente dos cristalizadores e o pulsar de vida de todo o ecossistema na sua biodiversidade não são apenas experiências sensoriais: elas são formadoras de sensibilidade ética. A natureza, neste sentido, educa-nos. E nós, maravilhados, tornamo-nos naturalmente e sem esforço seus protectores.
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17 Maio 2025 | Casa Álvaro de Campos | Tavira
16:30 | Português | Café Filosófico: SalC e o Carbono Branco
6:30 pm | English | Café Philo: SalC and the White Carbon
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
Inscrições/ to book: [email protected]
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