Skip to content
Postal do Algarve

#liberdadeparainformar
Site provisório

Postal do Algarve

Diariamente, siga as notícias do Algarve e as mais relevantes de Portugal e do Mundo

Menu
  • Sociedade
    • Ciência
  • Economia
    • Patrocinado
  • Saúde
  • Política
    • Legislativas 2022
  • Cultura
    • Ensino
    • Lazer
  • Desporto
  • Opinião
  • Europe Direct Algarve
  • Edição Papel
    • Caderno Alcoutim
  • Contactos
Menu
Cultura, Edição Papel, Opinião

O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge

LETRAS & LEITURAS: Artigo de Paulo Serra publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul de março

09:00 4 Março, 2022 08:59 16 Agosto, 2022 | POSTAL
Paulo Serra, doutorado em Literatura na UAlg
e Investigador do CLEPUL

O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge, conhece agora a 5.ª Edição, pelas Publicações Dom Quixote. Romance de matriz urbana, cuja acção parte de um caso real e decorre em espaços reconhecíveis de Lisboa, este romance, publicado pela primeira vez em 1995, consolidou a carreira da autora algarvia, representa um dos seus mais ambiciosos trabalhos e concedeu-lhe o Prémio Bordallo Pinheiro de Literatura da Casa da Imprensa.

O romance como corpo e casa

A narrativa é feita na primeira pessoa, como se percebe pela entrada de rompante no romance que inicia com “Ou por outras palavras” (p. 7), em que a narradora dá conta de como em Fevereiro de 1988 chega à casa da Arara onde passará a ocupar um quarto, pois sente, de forma premonitória (não sabe nem pretende explicar), que ali terá a reclusão e a privacidade necessárias para poder escrever. A narradora, de quem nunca se conhecerá o nome, tem uma intenção clara: “eu tinha um projecto mais amplo do que o meu próprio alcance, e caminhava na escrita com o passo bruto do cavalo.” (p. 8) Para tal, bastar-lhe-á uma tábua sobre duas mesas de cabeceira, onde instala a sua máquina de escrever, e “as teclas da Remington, repercutindo-se em duplo, transformavam as palavras que escrevia num ruído poderoso e triunfal.” (p. 7)

O Jardim sem Limites consolidou a carreira de Lídia – Jorge Foto Frank Ferville

Não se sabe qual era o projecto inicial da narradora mas ao longo do romance parece claro que este se dissipa face à narrativa que se impõe dos projectos dos restantes hóspedes da Casa. É curiosa a relação que se estabelece entre a narradora e a sua máquina de escrever, pois dela nunca nada é dito, sendo que a sua existência na casa parece reduzida à Remington. Objecto esse que por vezes parece humanizado, como se se fundisse com o corpo da narradora que escreve incessantemente enquanto vai sendo visitada pelos vários ocupantes da Casa da Arara, rodeada do seu esquema de escrita, um desenho arborescente que cresce pelas paredes: “As teclas da Remington tinham-se tornado na Casa da Arara a sede da acção e do saber, como uma outra cabeça. Uma nova cabeça. Por vezes ela doía-me.” (p. 13)

A própria palavra corpo será aplicada múltiplas vezes no romance, o que se pode associar à reflexão metanarrativa de como se arquitecta a corporização do romance, como construção artística: “as teclas que soltavam imaginariamente o clap, clap escreviam as letras que compunham o corpo da ideia, de forma semelhante ao som” (p. 13). E é também no corpo de Leonardo – homem-estátua numa das principais praças lisboetas durante períodos cada vez mais longos, na tentativa de bater o recorde de imobilidade – que se pode ler a escrita de um sonho e de um projecto artístico, ao procurar a imobilidade.

Outro aspecto que se destaca na narrativa é esta recorrência. O performer recorre à música minimalista de Philip Glass para se deixar evadir, superando os limites do corpo e da consciência, da mesma forma que as suas performances são um acto repetitivo descrito com muito poucas modificações: “o performer pegava no espírito disperso em volta do seu corpo, preso ao mundo pelo limite dos sentidos, recolhendo-o a si como um lençol que se dobra, para em seguida o comprimir, de modo a formar um pequeno novelo colocado entre a língua e a testa.” (p. 37)

A própria narradora insiste no som recorrente do clap clap clap das teclas da máquina de escrever, cujo som chega a ser descrito e confundido com a música de Einstein on the beach: “comecei a ouvir um ruído semelhante ao que sempre havia dado suporte ao vapor das minhas mãos. O som aparecia no corredor como uma ondulação na mecânica significante da Remington – clap, clap, clap, clap…” (p. 19).

A esta ópera minimalista de Glass, com 4 horas de duração, subjaz, resumidamente, uma intenção de quebrar as convenções tradicionais, o que parece ser também uma intenção subliminar deste romance.

A narradora, na sua quase inexistência, assemelha-se a uma entidade que se limita a filtrar, como um “olho de vidro” (p. 172). Sobre ela saber-se-á muito pouco e a sua fala nunca é transcrita no corpo do romance. O leitor pode apenas presumir que ela se identifica em diversos aspectos com os outros membros da “geração rasca” retratada na narrativa. Advoga-se um princípio de isenção, “eu apenas me limitava a registar” (p. 173), como se o seu papel fosse apenas o de narrar, sem emitir opinião: “O meu papel era branco como o duma fina mortalha, não pesava, não ocupava espaço nas suas vidas, e eles sabiam-no.” (p. 170); “eu apenas queria ver. Não tinha de intervir.” (p. 342)

Mas nesse seu olho de vidro e nesse seu papel branco a própria narradora acusa uma sombra.

A Casa da Arara

A Casa da Arara assemelha-se a um palco em que diversas personagens entram e saem de cena, ou interagem em simultaneidade. Estas personagens são de uma forma geral jovens com cerca de 20 anos, oriundos de famílias com posses, que decidiram romper com o passado, isto é, com os seus progenitores, com a sua herança genética, e cultural (mas não com o legado financeiro), na busca do seu próprio sentido de vida. É curioso quando se alude na narrativa – num assomo intencional da voz narratorial – à palavra mãe, por intermédio de uma cena em que Falcão filma as vítimas do serial killer, com essa palavra escrita nas costas das mulheres mortas: “Afinal, muito mais gente, além deles, detestava essa palavra. Eles tinham rasgado esse mundo, abandonado essa prisão armadilhada pelo tempo, e por isso nem se lhe referiam.” (p. 185) Esta associação parece transmitir como é essencial a esta geração matar aquela que os precede, libertando-se dessa imagem e partir do zero… No caso de Leonardo, a arte estática é inclusivamente uma contestação ao modelo parental: “escolhi há muito tempo não querer nem deus e nem pai. Aliás, se quiseres saber, comecei a fazer performance estática exactamente contra meu pai, e depois, acabou por ser contra tudo para me fundir com o nada que é o tudo” (p. 220).

As artes em diálogo

No corpo de Leonardo pode-se ler uma linguagem artística. Ele é um “auto-escultor de si mesmo” (p. 78) e “a estátua do seu corpo não era um embuste, era uma apurada construção” (p. 41). Paradoxalmente, o seu trabalho como homem-estático, que exige a preparação de um atleta, tem mais de metafísico do que de físico. Leonardo procura o limite da imobilidade, algo que executa “só para se conhecer” (p. 334), que serve como meio de “se encontrar com o seu Eu espelhável pelo Universo” (p. 346), de modo a “se fundir com o nada que é tudo” (p. 232)”, “concentrado sobre si mesmo, como confluência do mundo” (p. 275). A imobilidade praticada por Leonardo pode ainda ser lida como o ilimite da vida, e da arte, como se pode confirmar na conversa que o poeta tem com o jovem, quando lhe afirma que “em arte, nunca se fez nada enquanto não se tentou o ilimite” (p. 330). Sendo esse ilimite o desfecho trágico da acção, perto do final do livro…

O próprio acto de escrita da narradora na sua Remington é elevado ao acto de criação divina: “Enfeitar desse modo as paredes em volta é como criar uma abóbada celeste. Como reproduzir, a modo do bicho-de-conta, a criação de um firmamento. Deleita a alma e entretém a vista, mais nada, absolutamente mais nada. De manhã uma pessoa acorda e entretém-se a olhar para a sua obra.” (p. 39)

Parece seguro afirmar que O Jardim sem Limites é uma das obras mais complexas da autora e assinalou então a sua maturidade literária, tendo demorado três anos a escrever, até ser publicada em 1995.

Neste jardim labiríntico pode-se aceder por diversas entradas, como é próprio da natureza de um bom romance. Compete ao leitor desmontar a narrativa, num processo de sentido inverso ao do autor que foi compondo a narrativa camada sobre camada.

Romance valeu-lhe o Prémio Bordallo Pinheiro de Literatura da Casa da Imprensa

O Jardim sem Limites é um ensaio sobre o fazer da arte, dispersando-se numa multiplicidade de escritas do real, como o cinema, a fotografia, a pintura, a música. A arte é tomada na sua capacidade de representação do real mas numa linguagem cifrada, que nem sempre tem de coincidir com o verdadeiro, procurando antes o ilimite, superando o verosímil e transfigurando a realidade envolvente.

A temática do trabalho implícito à construção de uma obra literária, como um bolo que se reveste de camada após camada, recuperada ao som do martelar monótono e palpitante das teclas, lembra o minimalismo da composição de Philip Glass, Einstein on the beach, e serve de banda sonora à personagem-narradora. Uma leitura que deve ser feita em diversas vagas, como ondas a rebentar numa praia, revolteando o areal, enquanto escavam e simultaneamente depositam mais areia, como uma história desvelada a cada nova leitura e reciprocamente coberta de novo significado.

“Os Memoráveis” de Lídia Jorge traduzido para chinês e publicado na China
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
Linkedin
Share on whatsapp
Whatsapp
Share on email
Email
Há um novo POSTAL do ALGARVE nas bancas com o Expresso 🌍

Últimas

  • Jovens podem ser novamente “Astronautas por um Dia” em voo de gravidade zero
    Jovens podem ser novamente “Astronautas por um Dia” em voo de gravidade zero
  • CEO da TAP pode receber dois milhões de euros de bónus, se cumprir o plano de reestruturação
    CEO da TAP pode receber dois milhões de euros de bónus, se cumprir o plano de reestruturação
  • 50 anos em exposição: hip-hop nasceu no sótão de uma casa no Bronx e tornou-se numa indústria milionária
    50 anos em exposição: hip-hop nasceu no sótão de uma casa no Bronx e tornou-se numa indústria milionária
  • Camionista morre em despiste no IC1. Corpo da vítima foi transportado para o Hospital de Beja
    Camionista morre em despiste no IC1. Corpo da vítima foi transportado para o Hospital de Beja
  • Burlões detidos por roubos a idosos no Alentejo. Diziam-se funcionários de instituições ou entidades públicas
    Burlões detidos por roubos a idosos no Alentejo. Diziam-se funcionários de instituições ou entidades públicas

Opinião

  • Cuidadores de pessoas com deficiência | Por Marta Pimenta de Brito
    Cuidadores de pessoas com deficiência | Por Marta Pimenta de Brito
  • A importância da Dieta Mediterrânica para a saúde humana e para a sustentabilidade | Por Esa Lamy
    A importância da Dieta Mediterrânica para a saúde humana e para a sustentabilidade | Por Esa Lamy
  • Leitura da Semana: Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges
    Leitura da Semana: Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges

Europe Direct Algarve

  • Programa de financiamento CERV – Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores pelo comissário Reynders [vídeo]
    Programa de financiamento CERV – Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores pelo comissário Reynders [vídeo]
  • Programa europeu CERV – Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores vai ser apresentado na República 14 em Olhão
    Programa europeu CERV – Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores vai ser apresentado na República 14 em Olhão
  • Rentabilizar os talentos existentes na Europa: um novo impulso para as regiões da UE
    Rentabilizar os talentos existentes na Europa: um novo impulso para as regiões da UE
  • Política de Privacidade, Estatuto Editorial e Lei da Transparência
Configurações de privacidade
©2023 Postal do Algarve