Sem dúvida que as alterações climáticas estão a precipitar o número crescente de ignições, responsáveis pelos incêndios que têm assolado o nosso País. Sem dúvida que cada vez há mais psicopatas, cuja loucura lhes dá para ver as chamas crescer, destruindo paisagens seculares e a atividade económica de muitas famílias e empresas. A juntar a esta tragédia assistimos, na semana passada, à morte de um piloto enquanto combatia os fogos ao lado de milhares de bombeiros que, por todo o país, arriscam as suas vidas a combater esta catástrofe.
Mais uma vez olha-se para o lado e procura-se arranjar culpados, mas, à semelhança do passado, sem discutir o essencial, as questões estruturantes. As dificuldades que se verificam no terreno, relacionadas com a falta de acessibilidades e de pontos de água, para além de evidenciarem um desinvestimento estrutural no interior, ao longo das últimas décadas, evidencia sobretudo a ausência de políticas de ordenamento do território, e sobretudo, de ordenamento florestal. É comum, assim que se fala de temas de ordenamento do território, apontar-se o dedo às autarquias locais.
“O dedo inquisidor é apontado aos agentes do poder local. Na minha opinião, nada mais errado“
O dedo inquisidor é apontado aos agentes do poder local. Na minha opinião, nada mais errado. Essa prática facilitista e, diga-se, populista de alguns opinion makers, não só é reveladora da falta de densidade na análise, como também de total desconhecimento do problema. Por exemplo, no Algarve, os problemas da excessiva urbanização, e de alguns excessos verificados nos anos 70 e 80, registaram-se num momento em que a responsabilidade sobre as operações de loteamento era das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Os municípios apenas começaram a ter essa responsabilidade mais tarde! Muitas vezes legisla-se avulso, seja em resposta a determinados acontecimentos, e, portanto, sem ponderação prévia, ou por pressão da comunicação social. Essa circunstância motiva que se criem determinadas obrigatoriedades legais que obrigam as autarquias a gastar dinheiro para aprovarem instrumentos errados, que não fazem sentido e que só aumentam a burocracia. É o caso das cartas de perigosidade! Um instrumento criado, de cima para baixo, sem qualquer adequação ao território. Há muito que os autarcas levantaram esta preocupação, sem o devido retorno por parte do Governo. Foi preciso haver mais uma tragédia para se suspender as cartas de perigosidade.
Portugal precisa de uma política de ordenamento do território que seja coerente, prática e que esteja interligada com a política económica. Este casamento nunca foi feito, por isso é que talvez andemos tão divorciados do crescimento nas últimas décadas.