É difícil quantificar o volume dos principais negócios de base criminal, desde logo porque são ilegais e se encontram à margem do sistema contabilístico oficial. Na penumbra em que florescem, estas actividades condicionam, já para não dizer que dominam, partes não negligenciáveis da sociedade dos nossos dias. Desde logo, pela clandestinidade em que se movimentam, pelas diferenças metodológicas das fontes e pelas dificuldades de monitorização em tempo real. Porém, uma passagem de olhos por inúmeros relatórios de entidades como a ONU, a Interpol ou o G7 revela-nos a dimensão estratosférica de uma realidade aterradora. Mesmo que a título de aproximação ou estimativa, o ranking do tráfico de drogas ilícitas, de seres humanos ou de armas e outros sectores da marginalidade revela-nos os afluentes de um rio imenso chamado “Lavagem de Dinheiro”, através do qual se legitima a proveniência criminosa de inimagináveis recursos financeiros. Segundo o Relatório de Actividades Ilícitas do Finantial Action Task Force (FATF), está-se a falar de valores na ordem de dois triliões de dólares anuais. Um polvo de muitos tentáculos, que está a tomar conta de terras, edifícios, negócios, poderes políticos e instituições.
O dinheiro parece brotar do chão de forma torrencial, sem limites nem explicação, compra tudo e todos, nenhum território do globo está a salvo deste assalto, o Algarve que se cuide também. Há muita cumplicidade, muita corrupção envolvida no avançar do tsunami. Regra geral, há peixe graúdo que lucra com a guerra, exemplo supremo de como a Humanidade não aprende com os erros da História.
O tráfico de seres humanos progride à custa de novas formas de escravatura de muitos milhões de pessoas em trabalhos forçados, venda de crianças, exploração sexual, redes de imigração ilegal e outras formas de servidão. Fomentar uma multidão de dependentes e adictos do consumo de substâncias e actividades é o que está a dar, potenciados pela capacidade propagandística das novas tecnologias de informação. Já aqui falei há semanas da coexistência devastadora entre velhos e novos vícios. Hoje, as pessoas viciam-se em compras online, em sexo online, em jogo online, vivem online agarradas aos “smartphones” presas pelas orelhas, penduradas a mil plataformas digitais, nas redes sociais, são compelidas pela publicidade a compulsões alimentares doentias. Mas os velhos vícios revigoraram-se, com um pé de cada lado da fronteira da licitude, uns legais, outros nem pó, o jogo, as raspadinhas, o álcool, o tabacum e, claro, as drogas duras e as menos duras ou recreativas que lhes abrem caminho como guarda avançada. Maldita dopamina, ironicamente chamada de “hormona da felicidade”, que puxa pelo prazer imediato, gera motivação, fornece recompensa, mas a que preço!
Quem tem na família, ou no círculo de amigos, uma vítima da dependência da cocaína, da heroína, haxixe e outros derivados do interminável laboratório de substâncias psicoactivas, conhece o que isso tem de devastador para todos à sua volta, semeando destruição pessoal, social, familiar e financeira. Foi pensando na recuperação dessas pessoas e no apoio às que lhes são próximas, que foi criado em Portimão há 30 anos o GRATO – Grupo de Apoio aos Toxicodependentes, sob o impulso de Celina Leal e de uma equipa de gente com compromisso e responsabilidade social. Começou com uma equipa de intervenção directa (EID), avaliando utentes, encaminhando-os para tratamentos, promovendo atendimentos e consultas, reuniões de apoio às famílias dos adictos. Com a ajuda dos associados, doadores e voluntários, das autarquias e da Segurança Social, o GRATO não parou de estender a sua acção. Com 42 funcionários, tem estruturas residenciais para homens e mulheres, sem-abrigo, uma creche para 40 crianças. Atende 50 pessoas por dia com banhos e trocas de roupas limpas, distribui comida confecionada, serve de posto de correspondência oficial e institucional para os utentes. A sua actividade tem como cerne a reinserção social e profissional, a autonomia, o banco alimentar, um protocolo para o Rendimento Social de Inserção. No total, são cerca de 2.000 beneficiários. A sua presidente, Antonieta Guerreiro, está à altura do desafio e do legado que recebeu.
Quando se diz GRATO, ocorrem-me duas outras palavras. GRATIDÃO, a todos quantos dão algo de si, por quem tanto precisa de auxílio. E, em tempos marcados por tanto egoísmo, é GRATIFICANTE que existam instituições assim.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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