O Tribunal de Cassação de França, a instância mais alta em matéria de direito, anulou a decisão que tinha considerado válido o despedimento por “falta grave” de uma técnica de farmácia por ausência de diploma, num caso que começou com a contratação em 1998 e acabou por arrastar-se durante anos pelos tribunais.
No entendimento da Cour de cassation, citada pelo portal espanhol Noticias Trabajo, quando uma entidade patronal mantém durante anos uma relação laboral numa profissão regulamentada sem verificar as qualificações exigidas, não pode depois apoiar-se nessa mesma irregularidade, à qual também deu causa, para sustentar uma “falta grave” imputada exclusivamente à trabalhadora.
Um caso que remonta a 1998 e só “rebentou” no final de 2017
A trabalhadora foi contratada em 1998 para exercer funções de técnica/preparadora em farmácia. Ao longo dos anos, a farmácia mudou de mãos, tendo a relação contratual sido mantida com novos gerentes a partir de 2015, através de aditamento ao contrato.
Foi no final de 2017 que a situação se tornou problema: num controlo aleatório da autoridade regional de saúde (ARS), foi solicitado o diploma do pessoal ao serviço, e não foi encontrado nem apresentado o documento relativo à trabalhadora. Seguiram-se contactos e pedidos formais para que fosse entregue uma cópia, já com a funcionária em baixa médica.
Despedimento em 2018 e decisões contraditórias nos tribunais
Sem resposta considerada suficiente, a farmácia avançou com despedimento disciplinar, invocando “falta grave” e apontando um alegado incumprimento do dever de boa-fé/lealdade, sublinhando ainda o risco jurídico associado ao exercício de funções regulamentadas sem a habilitação exigida.
Em 2021, a primeira instância laboral deu razão à trabalhadora: considerou o despedimento injustificado e fixou uma indemnização superior a 34.800 euros. A farmácia recorreu e, em 2023, o Tribunal de Recurso mudou de entendimento e reverteu integralmente a decisão, validando o despedimento por “falta grave”.
O que decidiu agora o Tribunal de Cassação
A Cour de cassation anulou o acórdão de 2023 e determinou que o processo seja reapreciado por outro tribunal de recurso. Além disso, condenou a entidade patronal nas custas e no pagamento de 3.000 euros por despesas processuais.
Segundo o Noticias Trabajo, o ponto central é claro: o empregador não pode “beneficiar” da própria falta de verificação das qualificações para transformar a situação numa falta grave imputável, sem mais, à trabalhadora. Ainda assim, o caso não está encerrado, o valor final de eventual indemnização dependerá da nova decisão em recurso.
E se fosse em Portugal?
Em Portugal, o enquadramento seria diferente, mas com um ponto comum: as farmácias funcionam sob regras apertadas. A direção técnica tem de ser assegurada, em permanência, por farmacêutico diretor técnico registado no INFARMED, e os farmacêuticos podem ser coadjuvados por técnicos de farmácia e outro pessoal devidamente habilitado.
Quanto ao vínculo laboral, um despedimento disciplinar exigiria, em regra, prova de comportamento culposo do trabalhador com gravidade bastante para tornar impossível a manutenção da relação de trabalho. Numa situação em que a própria entidade empregadora falhou a verificação documental durante anos, o risco de litigância aumenta, e a apreciação concreta dependeria sempre do que fosse possível provar (por exemplo, se houve dolo, ocultação, ou falsas declarações na contratação).
















