Esta quinta-feira, dia 24 de fevereiro de 2022, fica para a história. O conflito entre a Rússia e a Ucrânia evoluiu, depois do presidente russo Vladimir Putin ter autorizado uma operação militar no leste da Ucrânia, que está a somar mortos e feridos. Os efeitos na economia mundial são já evidentes – nomeadamente, com a queda das bolsas e a escalada dos preços do petróleo e do gás. E o Ocidente já está a aplicar duras sanções contra a Rússia, para travar este conflito. Mas poderá o investimento russo ficar congelado no espaço europeu? E como é que as decisões podem influenciar o investimento imobiliário em Portugal? E a atribuição de vistos gold? O idealista/news foi tentar saber junto de especialistas de mercado, não perdendo de vista as precauções que os players do setor devem tomar.
A verdade é que a Rússia tem tido um papel importante no investimento imobiliário em Portugal nos últimos anos. Através dos vistos gold, os investidores russos foram responsáveis por aplicar no país mais de 35 milhões de euros em 2019, mais de 37 milhões em 2020 e quase 34 milhões em 2021. E este valor pesou entre 5% e 7% no investimento estrangeiro total que chegou ao país em cada um dos últimos três anos. Segundo os dados do Serviços de Estrangeiro e Fronteiras (SEF), solicitados pelo idealista/news, a Rússia é um dos cinco países que mais investem em Portugal, pelo menos, desde 2019. E a aquisição dos bens imóveis representou entre 77% a 89% da finalidade deste investimento.
Esta alocação de capital ao imobiliário português – e não só – reflete-se, também, nas autorizações de residência para investimento (ARI) concedidas a investidores russos. Desde outubro de 2012 até janeiro de 2022, foram atribuídos um total de 431 vistos gold a cidadãos vindos da Rússia, tornando-o o quinto país com maior número de autorizações de residências concedidas em Portugal, estando apenas atrás da China (1.065), Brasil (1.065), Turquia (485) e África do Sul (433), mostram dos dados do SEF. Olhando para os últimos três anos, salta à vista que o número de ARI tem aumentado: antes da pandemia, em 2019, foram concedidas 52 ARI e, em 2021, foram entregues um total de 65 (+13).
E em 2022? Continuam os investidores russos interessados em aplicar capital em Portugal? Os dados do SEF mostram que sim. Em janeiro de 2022, a Rússia foi o 4º país que mais investiu no país por via dos vistos gold, totalizando cerca de 4 milhões de euros, valor esse que se destinou na sua totalidade à aquisição de imóveis. E com esse investimento foram atribuídos sete vistos dourados. Mas fazendo despertar uma nova guerra na Ucrânia, tudo poderá mudar para a Rússia daqui para a frente, de acordo com as opiniões recolhidas para este artigo.
Qual o impacto do conflito entre a Rússia e Ucrânia no (investimento) imobiliário?
A verdade é que “ter um conflito instalado às portas da Europa certamente trará mais um desafio a acrescer àqueles que já temos para 2022“, começa por dizer Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) em declarações ao idealista/news. E esta guerra entre a Rússia e a Ucrânia – como qualquer outro conflito internacional ou instabilidade política e económica mundial – tem “repercussões diretas na captação de investimento estrangeiro dos países nomeadamente, no nosso caso, dos países europeus”, diz ainda Hugo Santos Ferreira.
“Os investidores e o capital irão agora aguardar pelos desenvolvimentos deste conflito instalado e consoante o seu desenvolvimento tirar as suas consequências”, admite ainda o presidente da APPII. Este conflito entre a Rússia e a Ucrânia terá, portanto, “naturalmente efeitos, pelo menos no curto prazo, na captação de investimento estrangeiro para Portugal”, mas neste momento “não podemos inferir muito mais do que isto”, conclui.
Para Pedro Lino, CEO da Optimize Investment Partners e da Dif Broker, “os perigos para os investidores são muitos, com consequências imprevisíveis”. E no que respeita ao imobiliário, o gestor diz, citado pelo ECO, que sendo considerado um ativo seguro a longo prazo, “para crises de curto prazo pode ser um mau investimento, porque o que os investidores procuram é liquidez imediata e ativos facilmente convertíveis”. Argumenta o gestor que em períodos de incerteza acompanhados por recessões – como as que se começam a antecipar devido à guerra, num contexto de pandemia – consoante a necessidade de liquidez, até pode registar “fortes desvalorizações”.
Já para Steven Santos, gestor no Banco de Investimento Global (BiG), o imobiliário cotado em bolsa, nomeadamente os Real Estate Investment Funds (REIT) – que descreve “praticamente, fundos de investimento” -, poderiam eventualmente servir como refúgio. O gestor, segundo escreve o ECO no mesmo artigo, vê esta área como algo a considerar no âmbito da rotação setorial mencionada, contudo, relativamente ao imobiliário tradicional, partilha da opinião de Pedro Lino e aponta a difícil liquidez como o principal entrave.
As sanções contra a Rússia: como afeta o investimento imobiliário?
A escalada de tensões entre a Rússia e a Ucrânia levou os EUA, o Reino Unido e a própria União Europeia (UE) a aplicar duras sanções à Rússia. Depois da Federação da Rússia ter reconhecido como entidades independentes as zonas não controladas pelo Governo ucraniano, das províncias de Donetsk e Luhansk, e à subsequente decisão de enviar tropas russas para essas zonas, o Conselho Europeu decidiu esta quarta-feira, dia 23 de fevereiro de 2022, aplicar um pacote adicional de medidas restritivas que inclui, segundo se lê no site da Comissão Europeia:
- Sanções específicas contra os 351 membros da Duma do Estado russo e outras 27 pessoas;
- Restrições às relações económicas com as zonas não controladas pelo Governo ucraniano das províncias de Donetsk e Luhansk;
- Restrições ao acesso, por parte da Rússia, aos mercados e serviços financeiros e de capitais da UE.
As sanções à Rússia já aplicadas – e as que ainda podem vir a ser determinadas – vão influenciar o investimento imobiliário russo em Portugal e no espaço europeu, bem como os negócios entre os países. Para o advogado Ricardo Matos Fernandes, “as sanções serão graves e inibidoras de muitos negócios, designadamente, sobre imóveis”, diz em declarações ao idealista/news.
Os clientes russos podem vir a ser qualificados como “clientes de alto risco”, ao abrigo da Lei anti branqueamento de capitais (ABC). E as empresas europeias podem ainda estar perante a impossibilidade de estabelecer relações de negócio ou transações ocasionais com as empresas, bancos ou pessoas daquele país, sob pena de incorrer em contraordenações graves.
E o que podem fazer as empresas imobiliárias face ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia?
Antes de mais, o advogado e também formador em Prevenção de BC/FT na Academia Centralimo começa por explicar ao idealista/news que “as empresas que se dedicam a atividades imobiliárias – mediadoras, promotores, proprietários – estão, em Portugal, desde 2004, obrigadas a cumprir deveres de identificação e diligência dos seus clientes e todos os intervenientes nas relações de negócio e transações ocasionais em que intervenham”. E, segundo a lei ABC, essas mesmas empresas estão obrigadas a organizar um sistema de informação onde constam as sanções aplicadas pela UE e ONU a pessoas, empresas e países.
Outro dever dos players que atuam no imobiliário passa precisamente por verificar se as empresas com quem pretendem fazer negócio têm restrições ou sanções aplicadas. Segundo explica o mesmo advogado, “o Regulamento (IMPIC) 603/2021, que regulamenta a Lei ABC, faz impender sobre as empresas que se dediquem a atividades imobiliárias verifiquem, antes de estabelecer relações de negócio ou transações ocasionais a verificação das mesmas listas, e das sanções aplicadas, designadamente, de congelamento de bens, proibição de estabelecimento de relações comercias, ou mesmo de entrarem no território, que além de representar um cliente e negócio de risco elevado, poderá mesmo estar impedido de intervir no negócio”.
É, por isso, “importante que as empresas que se dediquem às atividades imobiliárias, durante os próximos dias, acompanhem as revisões das listas de sanções, aplicadas a pessoas, empresas e entidades impedidas de intervir em negócios”, aconselha o advogado.
Coimas e pena de prisão para quem não cumprir sanções
Para quem não cumprir as sanções determinadas à Rússia ou não tiver as listas de clientes e players de negócio devidamente atualizadas com as sanções aplicadas, poderá haver consequências, nomeadamente o pagamento de coimas que podem ascender a 1 milhão de euros e até pena de prisão.
O advogado Ricardo Matos Fernandes alerta que nos termos da Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto, a violação de uma “medida restritiva, que estabeleça ou mantenha relação jurídica proibida com pessoas ou entidades designadas ou constitua, adquira ou aumente a participação ou posição de controlo relativo a imóvel, empresa ou pessoa coletiva, ainda que irregularmente constituída, situados, registados ou constituídos num território identificado nos atos de aprovação ou aplicação da medida”, é sancionado com pena de prisão de um até cinco anos de prisão em caso de dolo e de 600 dias de multa se for praticado por negligência.
A falta de organização de um sistema de informação geral sobre a aplicação de tais sanções, com as respetivas listagens é considerada uma contraordenação especialmente grave, segundo a lei ABC. E neste âmbito podem ser aplicadas coimas de 5.000 euros a 1.000000 euros, se o agente for uma pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva e de 2.500 euros a 1.000.000 euros, se o agente for uma pessoa singular.
- Texto do Idealista/news