Sonechka, de Ludmila Ulitskaya, com tradução direta do russo por Larissa Shotropa (que nos deixa ainda pequenas e preciosas notas esclarecedoras), é o primeiro livro da autora publicado pela Cavalo de Ferro. Uma novela preciosa e enternecedora que acompanha a vida de Sonechka. Sonechka é o diminutivo de Sónia, que, por sua vez, é a forma curta de Sofia, nome que tradicionalmente, na literatura russa, se associa a sabedoria.
A narrativa forma um perfeito círculo, desde que era uma rapariga invulgar e pouco atraente, e se refugia obsessivamente na leitura, até se tornar uma senhora bem estabelecida, ainda que solitária, se não fosse voltar a ter a leitura como companhia.
Sonechka não era detentora de uma beleza particular, “era míope e usava sempre óculos” (p. 6). Durante vinte anos, dos sete aos vinte e sete, Sonechka leu sem parar.
“Quando lia, entrava num estado de transe, que terminava com a última página do livro. Tinha um talento excepcional para a leitura e, talvez, até uma espécie de génio. A sua sensibilidade para a palavra escrita era tão grande que as personagens inventadas estavam em pé de igualdade com as pessoas de carne e osso, que lhe eram próximas. Para ela, o sofrimento sereno de Natasha Rostova à cabeceira do moribundo conde Andrei era tão autêntico como a dor lancinante da sua irmã mais velha, que perdera a filha de quatro anos” (p. 6).
Sonechka decidirá ingressar na universidade, para estudar filologia russa, e estava preparada para realizar os exames quando inesperadamente tudo se desmorona com o início da guerra. Então, Sonechka parte para Sverdlovsk, onde encontra trabalho como bibliotecária e conhece Robert Viktorovich, um artista recém-libertado, que a pede em casamento.
Apesar da sua aparente “total incompreensão do jogo inerente a qualquer tipo de arte”, ou da “espantosa credulidade de uma criança” (p. 6), Sonechka consegue singrar na vida adulta com pragmatismo e abnegação. Conforme ganha um sentido prático da vida, a leitura parece ser relegada para segundo plano, à medida que a protagonista constrói a sua vida familiar e doméstica. Note-se o simbolismo de a demolição da sua casa representar, no final do romance, a dispersão familiar…
Este romance curto tece uma história enfeitiçante e poética sobre o destino de uma mulher que atravessa o século XX, com a história da Rússia como pano de fundo, nomeadamente o desmoronamento do regime soviético. De modo subtil, criam-se paralelismos e contraposições inteligentes entre o ser proletário e artista (e há vários artistas ao longo do livro, a começar por Robert), tal como se repensa o papel da arte face a um Estado “entediante e sinistro” (p. 43), pleno de mentiras e com sede de sangue.
Publicado em 1995, amplamente traduzido e premiado, Sonechka, romance de estreia de Ludmila Ulitskaya, assinalou o início de uma fulgurante carreira que a consagrou como um dos grandes nomes da literatura contemporânea internacional. Este livro foi, na altura da sua publicação, um acontecimento literário, tendo sido agraciado com o Prémio Médicis Étranger para melhor novela estrangeira, o Russian Booker Prize e o Prémio Literário Giuseppe Acerbi.
Ludmila Ulitskaya nasceu em 1943 nos Urais, tendo crescido e estudado em Moscovo. Bióloga de formação, trabalhou no Instituto de Genética de Moscovo antes de empreender a sua carreira literária. Pouco antes da Perestroika, tornou-se directora do repertório do Teatro Kármeni de Moscovo e guionista. Aclamadas pela crítica, as suas obras estão traduzidas em mais de quarenta línguas e incluem romance, conto, literatura infantil e teatro.