Neste linguajar, de toada grosseira, acredito que haja gente disponível para tanto, que nem planetas alinhados no cosmos. Haverá político quenão transporte, na sua agenda pessoal, tamanha pulsão narcísica, em tempo de excessivas descargas pulsionais, de copiosos rompimentos com as inibições que só uma boa campanha eleitoral estimula?
Por certo que eles sentem esse prazer, esse gozo lacaniano de assistir aos acenos e vivas, a plenos pulmões, do desinibido entusiasmo das multidões que beijam e com quem se prestam a episódicos passos de dança. Oh! Como eles preenchem vazios do nosso imaginário juvenil, com nostálgicas sonoridades da música popular de um Quim Barreiros, junto de quem a moção pulsional encontra um modo substitutivo para se descarregar, ainda que essa pulsão constitua um substituto mutilado, inibido ou deslocado, que já não é reconhecível como satisfação, que não produz sensação de prazer, mas gozo.
Num Portugal desatado da sua condição de país aprisionado, liberto de mondadores de mentes que já provaram não ser feitas dos jacarandás que pintam as primaveras, não se compreende o descontentamento do povo relativamente à fluxiva intermitência das eleições antecipadas a que se sujeita e que, por absurdo, ninguém queria, impugnando-se, assim, com despudor, a dita cuja soberana vontade popular.
Como é possível que alguém se canse da fruição de períodos eleitorais, como espaços de tempo apoteóticos, prenhes de uma riqueza festivaleira, antagónica da melancolia privada, propiciadora do desempenho de políticos talentosos, dóceis, radicais e até moribundos que aproveitam para ressuscitar os seus partidos dos mortos? É um tempo liminar, de murais coloridos, outdoors em todos os subúrbios, recheados da exaltação das diferenças. É delas que os líderes políticos ocupam cada segundo da sua existência frenética, gerando ansiedades próprias de quem adormece com a urgência dos dias seguintes.
É neste tempo que os políticos mobilizam multidões famintas de futuro, esculpindo mágoas humanas, como se fossem suas. É por elas que são chamados ao bulício, ao gosto de luzir, que se torna urgente a criação de atmosferas de aprisionamento de votos, em concerto íntimo de respirações ofegantes.
Na contração que se exige do futuro, por conta do absolutismo do presente, inscrito na nossa vertiginosa existência, tudo é condimentado com a (re)invenção da alegria, a mímica dos sorrisos, a multiplicação de beijos e promessas de dias plenos, por conta do afanoso trabalho futuro dos governantes.
É contrariando este tempo amargo, prenhe de uma cartografia de horrores, em que a morte se banaliza em mediáticos momentos, que se abre espaço a forças que impulsionam a vernácula linguagem bélica de libertários, de impetuosos e corajosos líderes, escolhidos de forma meritocrática para as sovas argumentativas, previamente desenhadas nas falácias das suas sebentas. Que tempo prodigioso este, em que os políticos mais matreiros conseguem que a fantasia se incorpore à realidade, colocando-a dentro das palavras, enquanto os menos dotados a deixam de fora dela.
Abolida a propaganda discriminatória e contido o discurso do ódio de um Cuscuz Clan à portuguesa é, sobretudo, o prodigioso alento gerado pela contemplação de tamanha azáfama de um desmesurado número de deputados para tão pequeno país, voltando a fazer e a desfazer malas e votações, a uma velocidade vertiginosa, que nos mantém as pulsões da esperança, da autoconservação e da vida.
Dessa labuta, não são de excluir candidatos com a acneica tendência da adolescência, que, embora ainda desfilem nas juvenis queimas das fitas, já integram listas para deputados precoces, carregando, com avidez, a mochila da esperança dos jotinhas às costas.
Possam as eleições, e os supostos escândalos que as determinam, não mudar grande coisa, persistirá, em muitos, a reiterada crença de que, em resultado de possíveis abalos telúricos, no orçamento geral do Estado, sempre irão sobrar alguns trocos para si.
Esperemos, pois, que a esperança compense, assistindo ávida e diligentemente às projeções das auspiciosas estratégias de desenvolvimento do país e aos fecundos planos de desagregação e distribuição dos impostos, para atender às necessidades da população e à gestão eficiente dos fundos públicos,mesmo que, no mais das vezes não assista, aos nossos políticos, interesse, cuidado ou sabedoria na contabilização de custos e proveitos.
Ainda assim, não é tempo de o prezado eleitor trocar o programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, por aquele espaço de debate sério e profundo, que já tardava. Digo-o com toda a convicção, tenha ela assento numa distração ou engano meu, uma vez que as rábulas aí produzidas, através das transmissões on line, das reuniões de órgãos autárquicos, configuram-se bem mais burlescas e divertidas.
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