Num país europeu, um juiz decidiu falar. Fê-lo sem revelar o nome, através de uma carta anónima publicada no site oficial do sistema judiciário, onde descreve um cenário preocupante: um Estado onde o crime organizado se instalou nas instituições e onde o narcotráfico já não atua nas sombras, mas ao lado do poder. O país em causa é a Bélgica.
De acordo com o site especializado em negócios e atualidade, Executive Digest, o magistrado escreve que o problema deixou há muito de ser apenas criminal. “O que vivemos hoje já não é crime comum. É uma ameaça organizada que corrói o nosso sistema por dentro.” Pede ajuda urgente ao Governo e avisa que estruturas mafiosas profundamente enraizadas estão a desafiar a autoridade do Estado.
O coração do tráfico europeu
Antuérpia, uma das maiores portas comerciais do continente, tornou-se o centro desta guerra silenciosa. No porto, todos os dias chegam toneladas de mercadorias e, entre elas, quantidades recorde de cocaína. De acordo com o juiz, as redes criminosas infiltraram-se nas operações logísticas e compraram influência onde mais dói: dentro das próprias instituições.
Bruxelas vive a outra face desta realidade. A capital tem sido palco de uma sucessão de tiroteios e ataques com explosivos ligados ao tráfico de drogas. Só este ano, mais de 60 episódios foram registados, vinte deles durante o verão. O medo espalhou-se. Há bairros onde o som dos disparos já se confunde com o ruído da cidade.
Instituições em colapso lento
A resposta política não tardou. O ministro do Interior, Bernard Quintin, admite enviar militares para as ruas da capital. O Governo aprovou também a fusão das seis zonas policiais de Bruxelas numa única força, medida que só entrará em vigor em 2027, na tentativa de travar o avanço do crime.
Mas o juiz quebrou o silêncio porque acredita que o problema vai muito além da segurança. Na carta, descreve uma teia de corrupção que se estende a vários níveis do Estado. Funcionários portuários, alfandegários, agentes da polícia e até membros do sistema judicial foram detidos nos últimos anos. “Esse suborno infiltra-se em tudo”, escreveu, explicando que a lavagem de dinheiro distorce o mercado imobiliário e alimenta um ciclo de impunidade.
O crime digitalizado
Um dos alertas mais inquietantes da carta é a banalização da violência. “Um ataque com bomba, um sequestro ou uma invasão de casa podem ser encomendados pelo Snapchat”, revela o magistrado. Já não é preciso recorrer à dark web. O crime passou a estar à distância de uma mensagem.
Um espelho para a Europa
De acordo com o site oficial do sistema judiciário belga, esta denúncia reflete um sentimento crescente dentro da magistratura: o medo de que o país esteja a transformar-se num narcoestado. Para o juiz, a fronteira entre o crime e o poder tornou-se difusa, e a resposta das autoridades já não acompanha a dimensão do problema.
Tal como refere o Executive Digest, o alerta, vindo de um dos centros políticos da Europa, é mais do que um aviso interno. É um espelho que obriga o continente a olhar para si próprio, e a perceber que nenhuma democracia está imune à infiltração do crime organizado.
















