Ainda que possa parecer um certo cliché, quanto mais vou envelhecendo mais impressionado fico com a capacidade humana em desafiar medos e ansiedades. Quando crescemos, geralmente somos educados a obedecer, a cumprir regras e, para muitos casos, estabelecer limites ao nosso corpo, de forma a nos protegermos dos perigos que certas atividades podem causar quando praticadas de forma mais extrema.
Essas atividades arriscadas, aquelas que a sociedade, na sua maioria, qualifica como sendo perigosas para a maioria das crianças, são geralmente tidas como limitadas desde tenra idade. Em raras exceções, temos pais que permitem que os seus filhos façam tudo sem grandes limites. Mas a maioria cria o medo para impedir que os filhos se arrisquem em momentos que não estejam a ser vigiados.
Depois, quando nos tornamos adultos e responsáveis pelas nossas decisões, essas atividades arriscadas não são mais proibidas pelos outros, mas somos, de certa forma, influenciados a continuar a temer a prática das mesmas, devido aos receios criados enquanto éramos crianças.
Eu cresci com alguns medos. E um dos meus maiores receios sempre foi o mar e a água. Traumas de infância, de algumas situações que quase resultaram em afogamentos, que me assombraram no crescimento e que me provocaram um constante desejo de evitar o dito mal, ao invés de o enfrentar, logo, de uma só vez.
Então, em 2018 surge a inesperada escolha de mudar a minha residência para uma ilha no Sudeste Asiático. E além de estar rodeado pelo mar, vim a descobrir, após a minha chegada, que a minha “terra” era abençoada por corais extremamente saudáveis, ricos em variedade de fauna e flora marinha. Um mundo completamente diferente do que alguma vez vi ou presenciei.
Comecei gradualmente a conhecer muita gente que mergulhava e descrevia-me, de forma apaixonada e detalhada, como eram esses corais. A sua extensão, as suas diferentes cores, os cardumes de peixes que apareciam, de diferentes tamanhos, diversos peixes que fazem do coral a sua casa. E outros animais marinhos como tubarões, polvos, lagostas, búzios, e muitos outros que tornavam a viagem “lá abaixo” extremamente curiosa.
Comecei imediatamente a associar a atividade de mergulhar às aventuras de Júlio Verne que li quando era criança, na segurança do meu quarto, aventurando-me apenas com a mente. Então o medo continuava a superar a curiosidade e resisti experimentar mergulhar durante os primeiros anos de Timor-Leste.
Até que em 2020 surgiu um desafio de um amigo para fazermos o curso de mergulho juntos. Foi nesse momento que aceitei enfrentar um dos meus maiores medos e finalmente mergulhei! E um mundo completamente novo surgiu na minha vida, distinto do que alguma vez imaginei visitar.
Completamente desconectado do mundo terrestre, sem distrações ou comunicações verbais, durante uma hora, de garrafa de ar nas costas, com todo o equipamento no corpo, passei a ter a oportunidade de ser um visitante num mundo que não pertence aos humanos, mas onde somos convidados a viver uma realidade completamente alucinante do nosso planeta.
Nadando de forma ritmada, surgiram diferentes cores que se estendem por dezenas de metros, as diversas espécies de animais que se movimentam à nossa volta, ignorando, na maioria das vezes, a nossa presença, eram mesmo verdade e eu consegui passar a viver isso como mergulhador certificado.
O luxo de ter começado a mergulhar num dos melhores países deste planeta para a prática desta atividade, inspirou-me a aprender e a ler mais sobre as espécies do mar, sobre o funcionamento das marés, das correntes, de como me orientar debaixo de água com uma bússola, como orientar sozinho o meu mergulho e evitar a ocorrência de acidentes.
Hoje, ainda temo o mar, mas numa proporção significativamente mais reduzida. Ou atrevo-me a dizer que o meu respeito pelo mar supera o temor, dado que o compreendo um pouco melhor.
Ao fim de quatro anos contados desde o início dos meus mergulhos, já tirei mais certificações, mergulho em maiores profundidades que no único e já tive a oportunidade de mergulhar em outros países, como é o exemplo da Indonésia, Cuba e, imagine-se, na Grande Barreira de Coral na Austrália, maior recife de coral atualmente vivo no mundo.
Mergulhar, de uma forma resumida, ajudou-me a perceber o quão gigante, profundo e misterioso é o nosso planeta; e também me relembrou do quão importante é sabermos dominar um ambiente distinto do que estamos habituados a viver, sem recurso a nenhuma tecnologia de comunicação, tendo de usar o nosso conhecimento e habilidade para nos mantermos em controlo de todo o mergulho num ecossistema que não é o nosso.
Assim, primeiro aconselho-vos a pesquisarem sobre o mar de Timor-Leste e dos seus fantásticos corais.
Segundo, inspirem-se a superarem os vossos próprios medos, porque há oportunidades que a vida nos dá e quando as agarramos, eliminando os receios, somos lançados para outras dimensões que nos permitem alargar horizontes, compreender as nossas limitações e a ensinar-nos que não somos obrigados a fazer tudo, apenas temos de tentar fazer o melhor do pouco ou muito que fazemos diariamente.
Turbulências IV escrito por João Fernandes Moreira, advogado
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