CAPACIDADE DE CARGA E UM ALGARVE DE CONTRASTES
Dá que pensar o que levou recentemente tantos habitantes das Canárias em protesto para as ruas, exigindo um novo modelo de Turismo mais responsável, respeitador do património cultural e ambiental. Estão contra a poluição das águas e contra um turismo de massas em modo de crescimento contínuo, sem limites, que terá rompido o equilíbrio necessário entre a utilização dos recursos e o bem-estar das populações locais. Fica no ar a questão. Trata-se de mais um protesto limitado à capacidade de mobilização de dezenas de associações ambientalistas, movidas por uma “turismofobia” com espírito de lacrau, que não hesita em picar a mão que lhe dá de comer? Ou já passou desse âmbito, e propagou-se a uma parte substancial da sociedade, afectada por elevados índices de pobreza, baixos salários, especulação imobiliária com reflexo nas rendas e no preço das habitações, saturação de vias de comunicação e espaços naturais como as praias e outros?
Sob o lema “As Canárias têm um limite”, pedem-se medidas como uma moratória quantitativa, qualitativa e temporal do crescimento da oferta de alojamento turístico, uma ecotaxa e a regulamentação da compra de habitação por estrangeiros. Parece haver aqui um certo toque ideológico, totalmente avesso a uma economia de mercado. Mas sopre o vento do barlavento ou do sotavento do espectro político, a questão da capacidade de carga de uma qualquer região turística tem que se colocar antes da disrupção entre os interesses particulares e o interesse geral da comunidade de quem vive e trabalha nos sítios.
Para que uma região como o Algarve não chegue ao ponto de ruptura que se observa já nas Canárias, seria bom que os responsáveis autárquicos e da administração pública desconcentrada acordassem para certas realidades e atalhassem enquanto é tempo. Há que preservar os valores ambientais e paisagísticos que ainda sobram nos nossos 318 quilómetros de costa, pois eles são o principal factor de atracção de quem nos visita. Fazer da nossa frente de mar um paredão contínuo de betão de hotéis e apartamentos não é o melhor caminho. Há que parar de dar dentadas sucessivas na área do domínio público marítimo, com concessões para fins diversos. Antes de autorizar acréscimos urbanísticos, há que pensar nos recursos existentes, escassos ou limitados.
Uma das razões da penúria de água, tem a ver com o crescimento exponencial do número de fogos, de camas, de prédios, de empreendimentos, que inevitavelmente aumentou brutalmente o número de consumidores. Ninguém faz contas? Há que dar uma oportunidade séria, com incentivos eficazes para o desenvolvimento urbanístico de áreas do barrocal e da serra algarvia, em alternativa à densificação do litoral.
Há mais de quarenta anos que se fala de diversificação da actividade económica do Algarve, e os resultados são pouco significativos. Continuamos excessivamente dependentes do Turismo. E quando se fala de investimento na Agricultura, parece que se está a falar de uma actividade criminosa. A verdade, verdadinha, é que o Algarve é hoje uma terra de fortes contrastes sócio-económicos. Temos um PIB anual per capita superior à média nacional, mas temos 10.000 crianças em situação de pobreza extrema. Temos uma taxa de abandono escolar precoce que é o dobro da média nacional. A população em risco de pobreza e exclusão social é 28%, no País é 20%. A sobrecarga em despesas de habitação é o dobro da média de Portugal inteiro.
Ao lado do lindo postal turístico dos empreendimentos de luxo, vive uma população que paga no supermercado, no restaurante, na renda da casa, nos serviços especializados, um preço demasiado alto para as suas posses, só ao alcance de quem nos visita ou de quem aqui assentou praça sentado num bom rendimento vindo do estrangeiro. Até frequentar a praia está a ficar demasiado caro para o simples mortal. Depois admiram-se que as barracas, as casas pré-fabricadas, as roulottes, os contentores, proliferem clandestinamente como cogumelos. Se este caminho não for inflectido, mais tarde ou mais cedo o exemplo das Canárias estará replicado no Algarve.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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