A Crise da Narração, de Byung-Chul Han, com tradução do alemão de Gilda Lopes Encarnação, é mais um ensaio do filósofo nascido em Seul a integrar o catálogo da Relógio d’Água.
Afirma o autor, ao iniciar o prefácio, que nos dias de hoje a palavra “narrativa” – que poderíamos igualmente substituir por “história” – corre na boca de toda a gente. No entanto, paradoxalmente o seu uso é sintomático da “existência de uma crise narrativa” (p. 11)
Em 10 breves capítulos, o autor parte de tempos menos recentes, para argumentar como o início da generalização da informação, que para Walter Benjamin estava aliada à imprensa, se associa à crise narrativa: isto é, o espírito narrativo sufoca quando o mundo está inundado de informação. Como diz noutro passo: “A arte narrativa impõe (…) a ocultação de informação”, pois um bom contador de histórias não informa nem explica (p. 18). Ressalve-se ainda que a contação de histórias é aqui tomada como um acto claramente incitador da criação de comunidades, enquanto “a casa natal do romance é o indivíduo na sua solidão e no seu isolamento” (p. 21).
Perambulando entre o pensamento de Benjamin, sobretudo, ou Heidegger, outras vezes levando-nos a diversos autores, como Proust, Sartre, Freud, Ende (ou seja, entre a ficção e a não ficção), Byung-Chul Han faz uma apaixonante reflexão, numa linguagem acessível, numa linha de raciocínio clarificante, sobre como é a partir das narrativas que o homem, como “animal narrans”, tem vindo a estabelecer laços, a formar comunidades, a transformar sociedades, a criar os seus próprios mitos de fundação. Mas, hoje, o storytelling deturpou-se. Desvirtuou-se agora em storyselling e tende a converter-se numa ferramenta de promoção de valores consumistas da atual sociedade de informação, assente no vazio, no excesso, no imediato. O “Phono Sapiens” entrega-se ao momento, centrado em plataformas digitais que o situam “no nível zero da narração” (p. 35) – meios informativos, que não narram, pois limitam-se a publicitar. As nossas stories são autorrepresentações, e sempre uma realidade reduzida, sendo que estar conectado não significa estar vinculado a outros.
“Há muito que as fogueiras se extinguiram. Foram substituídas por monitores digitais que isolam as pessoas umas das outras, transformando-as em consumidores. Os consumidores são seres solitários. Não constituem nenhuma comunidade. As stories que se publicam nas plataformas digitais são, também elas, incapazes de preencher o vácuo narrativo. Não passam de autorrepresentações pornográficas, publicidade a quem as publica. Posts, likes e shares são práticas consumistas que agravam a crise narrativa.” (p. 13)
Urge recuperar formas de narração que nos permitam continuar a partilhar experiências significativas, contribuindo para a transformação da sociedade. Até a filosofia académica, assim constata o autor, perdeu a capacidade de narrar.
Byung-Chul Han nasceu em Seul, em 1959, onde estudou Metalurgia. No final dos anos 80, foi para a Alemanha, apesar de não conhecer a língua. Estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Em 1994, doutorou-se nessa mesma universidade com uma tese sobre Martin Heidegger. Atualmente ensina Filosofia na Universidade das Artes de Berlim, depois de ter ensinado Filosofia e Teoria dos Meios de Comunicação na Escola Superior de Desenho de Karlsruhe, onde teve como colega Peter Sloterdijk – com quem manteve algumas polémicas.
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