Esta sexta-feira termina uma consulta pública na qual se abre espaço para perceber que zonas poderão ir a concurso para a prospeção e pesquisa de lítio em território nacional. E, só depois de “vários níveis de escrutínio ambiental” é que “se aferirá a viabilidade dos projetos”, explica o ministério do Ambiente.
A associação ambientalista Zero sublinha que a avaliação tem mesmo de ser feita caso a caso. “Não indicaria nenhuma área que mereça maiores reservas. Todas têm as suas particularidades. É muito cedo para dizermos que determinada área não deverá avançar”, aponta Nuno Forner, da associação ambientalista Zero.
Para já, entenda o que está em causa.
O QUE SE PRETENDE COM A CONSULTA PÚBLICA?
Fecha no dia 10 de dezembro a “Consulta pública do Relatório de Avaliação Ambiental Preliminar do Programa de Prospeção e Pesquisa de Lítio das 8 áreas potenciais para lançamento de procedimento concursal para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de Lítio”.
Esta consulta, de nome interminável, tem como intenção realizar um concurso para a atribuição de prospeção e pesquisa de lítio. Nela foi determinada a realização de uma avaliação ambiental, abrangendo oito áreas que poderão integrar o concurso, por indiciarem presença relevante do recurso. Quer-se prever os efeitos ambientais que podem surgir e saber como se poderá evitar, minimizar ou compensar esses efeitos.
“O Governo pretende criar as condições para que a valorização deste recurso do domínio público seja efetuada ao serviço do país e da sua população, assegurando o máximo retorno económico sem prescindir do rigoroso cumprimento de todos os requisitos ambientais”, lê-se num dos documentos disponíveis para consulta.
Depois da consulta pública, seguir-se-á a elaboração do Relatório da Consulta Pública, do Relatório Ambiental e da Declaração Ambiental. Só após a conclusão deste procedimento é que serão definidas quais das oito áreas irão a concurso.
PORQUÊ O INTERESSE NO LÍTIO?
O Governo acredita que não deve “ignorar as necessidades mundiais de lítio enquanto mineral metálico imprescindível para a vida moderna em sociedade”, considerando “imperativa” a aposta na neutralidade carbónica e eletrificação da cadeia produtiva dos transportes, lê-se no documento que apresenta a consulta pública, assinado por João Bernardo, o líder da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG). No mesmo, argumenta-se com o momento criado pelas exigências do acordo de Paris.
“É evidente que o lítio é uma das peças da equação quando falamos em transição energética, e é uma peça importante”, atesta Nuno Forner, da Zero, embora ressalve que “não dá para substituir tudo o que são carros a combustão por elétricos” e “não podemos pensar que a transição energética está dependente só do nosso lítio”, referindo-se ao português.
Mas o argumento económico também é uma das razões principais para o fomento desta exploração. Em respostas ao Expresso, o ministério do Ambiente aponta o potencial de criação de emprego e a “possibilidade da criação de um cluster industrial que trate a matéria-prima e a transforme num produto de maior valor acrescentado”, defendendo que o país tem condições para tal.
Uma perspetiva que, realça o ministério, está alinhada com a posição da Comissão Europeia, a qual reconhece a importância deste mineral através da Iniciativa das Matérias Primas e da Aliança Europeia de Baterias.
A Lusorecursos, uma das empresas que se propõe a explorar este recurso em Portugal, reforça que a exploração de lítio possibilita “ o aumento de atratividade em setores tão importantes como o setor automóvel”.
ONDE HÁ LÍTIO?
Só depois dos trabalhos de prospeção é que se pode ter mais certeza sobre o lítio que jazerá no solo português, mas o grupo de trabalho que foi criado para se debruçar sobre o potencial deste mineral em Portugal, em 2016, indicou oito regiões com potencial. São estas que constam da consulta pública e podem avançar para a prospeção.
Metade das áreas detalhadas na consulta designam-se “Guarda-Mangualde”, e distinguem-se apenas por letras (C, E, W e NW) que definem mais particularmente cada uma das zonas. Uma concentra-se no distrito da Guarda, outra abrange Guarda e Viseu, uma terceira Guarda e Castelo Branco. A última das quatro passa por Viseu e Coimbra. Fora estas, existe ainda a área de “Massueime”, também na Guarda, e “Segura”, em Castelo Branco. Sobram “Seixoso-Vieiros”, em Braga, Porto e Vila Real, e “Arga”, em Viana do Castelo.
De fora do âmbito da consulta pública ficou a área de Barroso-Alvão, uma vez que já decorrem procedimentos de avaliação ambiental de duas concessões mineiras naquele território, noticiava a Lusa, no passado outubro. Esta área abrange Montalegre e Boticas, onde a Lusorecursos e a Savannah Resources, respetivamente, já possuem contratos de exploração.
QUE PROJETOS HÁ PARA O LÍTIO?
Os projetos mais avançados são os da Lusorecursos e da Savannah, que já chegaram à fase de estudos ambientais, tendo em vista a exploração.
A Lusorecursos tem na “Mina do Romano”, em Montalegre, “um projeto de exploração e transformação de lítio de alto valor”. No que diz respeito à exploração, prevê avançar com uma mina mista, em que a componente a céu aberto é reduzida – seria constituída em mais de 90% por galerias subterrâneas. Além disso, o objetivo é que haja produção de hidróxido de lítio, através da construção de uma refinaria de lítio em Montalegre, a qual servirá as indústrias de produção de células de baterias de ião lítio e de armazenamento energético.
A Savannah, de acordo com o próprio site, detém a Mina do Barroso, em Boticas, a 100% desde Junho de 2019. Está agora sob análise a ampliação da área de concessão de exploração. A empresa quer também produzir concentrados de espodumena, quartzo e feldspato e criar instalações para o armazenamento de resíduos, assim como escritórios.
Mas, com a revelação dos projetos candidatos aos fundos para a inovação do Plano de Recuperação e Resiliência, percebeu-se recentemente que o interesse no lítio português está bem aceso. O maior projeto que concorre a estes fundos é o CVB – Cadeia de Valor das Baterias de Lítio, liderado pela Galp e com um investimento total de 980,5 milhões de euros, dos quais quase metade fica a cargo desta petrolífera. Pretende criar uma cadeia de valor que incluiu a extração – 170 a 200 mil toneladas por ano de espodumena (que dá origem ao lítio) -, refinação – 25 a 35 mil toneladas anuais de lítio -, montagem e reciclagem de baterias.
Em paralelo, o Next Generation Storage, encabeçado pela DST Solar, quer criar um cluster industrial de “fabrico e recuperação sustentável de baterias”, com um investimento de 238 milhões de euros. O objetivo é produzir anualmente 20 a 30 mil toneladas. Entram no consórcio também as empresas Voltalia, Vista Alegre Atlantis, Virtual Power Solutions, Prio, Enforce, Efacec, Bondalti, entre outras.
QUAIS AS QUESTÕES AMBIENTAIS, SOCIAIS, E OUTROS OBSTÁCULOS QUE SE LEVANTAM?
Para Forner, o conceito de “green mining”, ou mineração verde, não faz sentido: “podemos de ter uma exploração minimamente responsável, mas nada de green”. Segundo o responsável pelo acompanhamento de políticas da Zero, deve-se apurar se se pode avançar para uma exploração de baixo nível de impacto, “senão, essas áreas devem ser liminarmente abandonadas”, afirma. Outra condição essencial, entende, é perceber se a DGEG terá capacidade para fiscalizar, ou se será necessário criar uma comissão de acompanhamento que vigie a correta operacionalização dos projetos.
É que são vários os impactos negativos que podem decorrer da mineração do lítio. O mais visível será o impacto paisagístico, sobretudo no caso em que a exploração seja a céu aberto e se estenda por grandes áreas. Mesmo que haja, mais tarde, a requalificação da paisagem, esta ficará diferente, assinala Forner.
Contudo, os recursos hídricos também podem ser contaminados pelos sedimentos finos que resultam desta atividade. Por outro lado, quanto mais perto de aglomerados populacionais, mais pesa a questão do ruído. “Cumprir a lei do ruído não significa que não seja incomodativo”, refere Nuno Forner. Já em termos de biodiversidade, não basta que a exploração evite zonas protegidas, pois pode interromper circuitos dos animais de algumas espécies, que se desloquem entre mais do que uma área.
Os impactos ambientais estão intimamente ligados a uma vertente social. As alterações na paisagem podem, por exemplo, prejudicar o turismo. Nuno Forner considera importante perceber que retorno terão as populações das regiões onde se pretende fazer a extração, ao mesmo tempo que acusa falta de transparência, de informação e de diálogo com todos os envolvidos. “Certos cidadãos não podem ficar fortemente penalizados para que outros sejam muito beneficiados”, defende.
Os protestos contra os projetos minérios têm-se multiplicado nas regiões afetadas. Ainda em outubro, mais de mil pessoas, incluindo os presidentes de câmara de cinco municípios, participam num protesto em Viana do Castelo, contra a prospeção de lítio na Serra d’Arga, noticiava a Lusa.
O Governo afirma que com o decreto-lei que foi publicado em maio passado (o 30/2021), procura-se precisamente que a atividade extrativa resulte no “maior retorno económico possível”, que reparta os benefícios económicos da exploração entre o Estado, os municípios e as suas populações, ao mesmo tempo que se obedece a “rigorosos padrões de sustentabilidade ambiental” e reforça a transparência.
Numa outra frente, a Lusorecursos refere que uma possível dificuldade será a ausência de “uma rede europeia clara”, que facilite o avanço de projetos de acordo com regras unificadas a nível do Velho Continente.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL