Foram cerca de 19 meses de portas encerradas. Bares e discotecas em silêncio, luzes desligadas e pistas de dança vazias. A acumularem-se desde o início da pandemia, os prejuízos exatos estão por calcular, desabafam os proprietários, mas terminadas as restrições muitos não conseguiram (ou vão conseguir) voltar a abrir os seus espaços, esmagados pela quebra de faturação, mais os encargos de manutenção, despesas com pessoal e rendas.
Os que o Expresso ouviu, preveem que demore três ou quatro anos para recuperar tudo o que perderam, sem deixarem de lamentar a sensação que este período lhes trouxe, de serem o “patinho feio” entre os demais sectores afetados. “Nós, noite, somos sempre os mais prejudicados. Somos sempre os primeiros a fechar, os últimos a abrir”, diz Luís Coelho, sócio-gerente da Praxis Club, discoteca em Évora.
Os tempos têm sido difíceis. Desde portas fechadas a restrições severas, em que as discotecas com código de Classificação das Atividades Económicas (CAE) de bar tiveram permissão para abrir até às 2h, seguindo as mesmas regras da restauração. Não era permitido dançar e os clientes tinham de estar sentados. As mesas – obrigatoriamente afastadas – foram conhecendo diferentes limites para o número de pessoas por mesa, até ter chegado ohegado outubro, com a esperança de a atividade entrar nos eixos.
Falava-se em reabertura e tudo parecia estar bem encaminhado, recorda Carlos Olavo, responsável do grupo Noite Biba, com bares e discotecas em Viseu, Coimbra e Figueira da Foz: “Houve uma boa afluência, os clientes estavam cheios de vontade de dançar. E houve uma diferença boa para nós, os clientes em vez de chegarem às três horas da manhã, vinham por volta da meia-noite, meia-noite e pouco. E isso foi uma das vantagens que tivemos com esta longa ausência”.
Mas o otimismo durou pouco. Perto da passagem de ano, não só foi imposto novo encerramento de portas, como os empresários dizem ter perdido uma das melhores – se não a melhor – noite do ano, como sublinhou Carlos Olavo ao
Expresso. Ao impacto financeiro, “que foi desastroso”, houve que somar “o impacto moral, que foi um murro no estômago”.
“Estávamos todos preparados para trabalhar, com os projetos a andar para a passagem de ano e vimos, com estupefação, ser-nos retirada essa oportunidade”, mesmo sabendo haver permissão para eventos de passagem de ano, acrescenta Carlos Olavo. “Quando o primeiro-ministro diz que só permite os eventos porque têm investimentos feitos… Então e as discotecas? Não têm investimentos feitos?”, interroga.
Teste negativo obrigatório afasta clientes
Com a reabertura de portas prevista para o dia 14 de janeiro, o sector não prevê um mês risonho. Temem a pouca adesão dos clientes devido à obrigação de mostrar um teste negativo à entrada (a obrigatoriedade foi imposta a 1 de dezembro, mesmo para pessoas vacinadas). Miguel Camões, Presidente da Associação de Bares e Discotecas da Movida do Porto garante que, por causa da testagem, sentiram-se quebras automáticas de 50 a 60% no geral, com casos mais graves a alcançarem os 90%.
“Estas novas regras são uma liberdade falsa, porque vai continuar a ser preciso fazer os testes. As pessoas levaram as vacinas para ser possível fazerem uma vida normal e o que acontece é que lhes passaram um atestado de estupidez”,
critica Carlos Olavo.
Estamos numa fase grave da pandemia, o que os empresários dizem entender, mas defendem que baste apresentar o certificado de vacinação à entrada.
Por outro lado, o fim das moratórias e dos créditos bancários dificulta ainda mais a situação dos bares e discotecas. Miguel Camões lembra que vai ser preciso “começar a pagar os empréstimos bancários e as rendas todos os meses,
com mais 50% ou 60%, consequência das moratórias”: “E isto com as casas encerradas, sem qualquer tipo de faturação”.
A pergunta sobre as perdas de faturação não tem resposta fácil, embora quem está no ramo concorde em referir “muitos milhares de euros”, sublinhando que os apoios do Governo não conseguem colmatar “nem de perto nem de longe” os prejuízos.
As medidas de apoio incluídas no Programa Apoiar, começaram no primeiro encerramento. Foram alteradas no mês de dezembro, devido às novas restrições. Funcionam agora fazendo os cálculos em função das quebras na faturação. Dividem as quebras de faturação entre 25 a 50% e as superiores a 50%, considerando diferenças de valor também, em função da categoria: microempresas e pequenas, médias e grandes empresas.
Os proprietários relembram ainda que os seus espaços estiveram muito tempo fechados e que é preciso assegurar a manutenção de equipamentos eletrónicos, de som e de luz. Alguns acrescentam mesmo ter sido necessário fazer obras nos estabelecimentos, apesar de não estarem a faturar absolutamente nada e terem contas por pagar.
Muitos dos proprietários tentaram abrir nos formatos exigidos pelo Governo anteriormente, com lugares sentados e a servir comida. Mas Luís Coelho explica que não era sustentável: “Tentem servir almoços ou jantares às 3h da manhã num restaurante. Não vai dar. É o mesmo que transformar uma discoteca num local com lugares sentados. Não vai dar.”
O apelo final é deixado por Luís Coelho: “o que eu gostaria, apesar de praticamente impossível, era que o nosso Governo visse que as condições que nos está a impor são praticamente impossíveis para conseguirmos sobreviver. São
muitas restrições, para além das coisas que temos de pagar, que são imensas.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL