O Postal do Algarve participa da FESTA publicando, ao longo do mês de outubro, uma seleção de textos e poemas relacionados com a temática a cada ano explorada pelos artistas e estudantes envolvidos na realização de cada edição.

(Foto Krishea Hickman / A|NAFA)
CARTA A OPHÉLIA QUEIROZ – 15 OUT. 1920. Fernando Pessoa
Bebezinho:
Tens mais que milhares — tens milhões — de razões para estares zangada, irritada, ofendida comigo. Mas a culpa mal tem sido minha; tem sido daquele Destino que acaba de me condenar o cérebro, não direi definitivamente, mas, pelo menos, a um estado que exige um tratamento cuidado, como não sei se poderei ter.
Tenciono (sem aplicar agora o célebre decreto de 11 de Maio) ir para uma casa de saúde para o mês que vem, para ver se encontro ali um certo tratamento que me permita resistir à onda negra que me está caindo sobre o espírito. Não sei o resultado do tratamento — isto é, não antevejo bem qual possa ser.
Nunca esperes por mim; se te aparecer será de manhã, quando vais para o escritório, no Poço Novo.
Não te preocupes.
Afinal o que foi? Trocaram-me pelo Álvaro de Campos!
Sempre muito teu
Fernando
15/10/1920
Cartas de Amor.Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994).
MEU AMOR PERDIDO, NÃO TE CHORO MAIS, QUE EU NÃO TE PERDI! Álvaro de Campos
Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi!
Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser,
Que o ser é o mesmo em ti e em mim.
Muito é ausência, nada é perda!
Todos os mortos — gente, dias, desejos,
Amores, ódios, dores, alegrias —
Todos estão apenas em outro continente…
Chegará a vez de eu partir e ir vê-los.
De se reunir a família e os amantes e os amigos
Em abstracto, em real, em perfeito
Em definitivo e divino.
Reunir-me-ei em vida e morte
Aos sonhos que não realizei
Darei os beijos nunca dados,
Receberei os sorrisos, que me negaram,
Terei em forma de alegria as dores que tive…
Ah, comandante, quanto tarda ainda
A partida do transatlântico?
Faz tocar a banda de bordo —
Músicas alegres, banais, humanas, como a vida —
Faz partir, que eu quero partir…
Som do erguer do ferro, meu estertor
Quando é que por fim eu te ouvirei?
Fremir do costado pela pulsação das máquinas —
Meu coração no bater final convulso —,
[Toque de vigias, suspiros do porto?]
(…)
Lenços a acenarem-me do cais em que ficam…
Até mais tarde, até quando vierdes, até sempre!
Até o eterno em alegre Agora,
Até o (…)
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2019 decorre até ao próximo dia 30 de novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI.