A transição para o horário de inverno é vista por muitos como uma simples formalidade, mas vários estudos mostram que este pequeno ajuste pode ter consequências reais na segurança rodoviária e até no local de trabalho, aumentando o risco de acidentes. A alteração do relógio afeta o sono, o ritmo biológico e a concentração, três fatores decisivos quando se está ao volante.
Todos os anos, no final de outubro, Portugal atrasa os relógios uma hora, alinhando-se com o horário de inverno. Esta mudança, embora pareça inofensiva, representa uma perturbação abrupta no ciclo circadiano, responsável por regular o sono e o estado de alerta. O resultado é uma adaptação lenta e, muitas vezes, quase impercetível, que influencia o desempenho diário.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), as alterações nos horários de sono provocadas pela mudança de hora podem reduzir temporariamente a atenção e a capacidade de reação. Para quem conduz ou opera máquinas, essa diferença de segundos pode ser decisiva.
Um fenómeno que se repete todos os anos
Um relatório da Comissão Europeia, publicado antes de o Parlamento Europeu discutir o fim da mudança bianual de hora, já alertava para o impacto negativo na sinistralidade rodoviária. De acordo com o documento, há um aumento médio de 30% no risco de acidentes ao entardecer nos dias seguintes à transição para o horário de inverno.
A explicação é simples: o corpo demora a ajustar-se à nova hora, o cansaço aumenta e a visibilidade reduz-se mais cedo, aumentando o risco de acidentes. O conjunto destas variáveis cria condições ideais para pequenas distrações que podem ter grandes consequências.
Em Portugal, o Automóvel Club de Portugal (ACP) também reconhece que as primeiras semanas após a mudança de hora exigem maior prudência. Com o pôr do sol mais precoce, a condução nas horas de ponta torna-se mais exigente, e os condutores enfrentam períodos de fadiga mais acentuados.
Reflexos mais lentos e mais riscos
O especialista em segurança rodoviária António Gonçalves, consultor do ACP, sublinha que “qualquer alteração no padrão de sono tem impacto direto na capacidade de reação. Mesmo que o condutor sinta que dormiu o suficiente, o corpo pode não estar sincronizado com a nova rotina”.
Um estudo conduzido pela Universidade de Stanford, citado pela OMS, indica que nos primeiros cinco dias após a mudança de hora há um aumento médio de 6% nas colisões ligeiras e de 17% nos acidentes com vítimas. Estes números têm sido observados de forma consistente em vários países europeus.
Além dos riscos nas estradas, as empresas também reportam mais pequenos incidentes laborais durante o mesmo período. Trabalhadores fatigados, menos concentrados e com menor capacidade de adaptação cometem erros que, nalguns contextos, podem sair caros.
Menos luz, mais fadiga
Outro fator relevante é a luz solar. A mudança de hora faz com que escureça mais cedo, reduzindo o tempo de exposição à luz natural, essencial para a regulação da melatonina, a hormona que controla o sono.
A Sociedade Portuguesa de Medicina do Sono recorda que esta alteração repentina afeta o humor, a atenção e o desempenho cognitivo. “É comum sentir mais sono, irritabilidade e lentidão nos dias seguintes à mudança. O corpo precisa de alguns dias para estabilizar”, explicam os especialistas.
Por isso, as autoridades recomendam que, nas primeiras 48 horas após a mudança, os condutores evitem longas viagens ao final do dia e façam pausas mais frequentes. Pequenas medidas como ajustar a rotina de sono e antecipar o jantar ajudam a acelerar a adaptação.
Impacto também nos peões e ciclistas
O risco de acidentes deste género não se limita aos condutores. O European Transport Safety Council (ETSC) destaca que o aumento dos acidentes também envolve peões e ciclistas, sobretudo ao entardecer. A diminuição repentina da luminosidade surpreende quem ainda circula com a mesma perceção visual do horário anterior.
Debate que continua em aberto
A Comissão Europeia chegou a propor o fim da mudança de hora, permitindo que cada Estado-Membro escolhesse manter o horário de verão ou o de inverno. A proposta acabou adiada indefinidamente, mas a discussão permanece viva.
Vários países, como a Finlândia e a Polónia, defendem que a mudança bi-anual tem mais riscos do que benefícios. Já Portugal e Espanha optaram por aguardar novos estudos, temendo impactos na coordenação de horários internacionais.
Adaptação é a palavra-chave
Enquanto a mudança continuar em vigor, os especialistas recomendam uma adaptação gradual. Dormir um pouco mais cedo nos dias anteriores, ajustar o despertador e privilegiar a exposição à luz natural nas manhãs seguintes pode reduzir o impacto da alteração.
O mais importante, sublinha o ACP, é reconhecer que o corpo precisa de tempo para se ajustar. “Não é apenas uma questão de relógios, é uma questão de ritmo biológico”, resume António Gonçalves.
Hora muda este domingo às 02 da manhã
A mudança de hora que irá ocorrer na madrugada de domingo pode parecer um detalhe, mas os números mostram que influencia a segurança, o humor e o desempenho. O gesto simples de atrasar o relógio tem reflexos que vão muito além do ponteiro, e lembrar isso pode fazer a diferença nas estradas.
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