A vacinação não reduz o risco de transmissão da variante Delta da SARS-COV-2, a estirpe predominante do vírus responsável pela covid-19. Uma pessoa vacinada tem, no pico da infeção, uma carga viral semelhante ao de uma pessoa que não tenha recebido a vacina. Contudo, esta diminui mais rapidamente fazendo com que a pessoa seja contagiosa durante menos tempo.
A conclusão é de um novo estudo divulgado no final da semana passada pela revista científica The Lancet”. Durante um ano, os investigadores monitorizaram 621 pessoas no Reino Unido.
A investigação conclui que embora a probabilidade de os infetados transmitirem a doença a terceiros seja semelhante entre vacinados e não vacinados (25% e 23%, respetivamente), a inoculação tem um impacto significativo na probabilidade de contrair o vírus. Em contexto doméstico, apenas 25% dos contactos vacinados foram infetados face a 38% dos não vacinados.
“Antes deste trabalho já havia outros que sugeriam isto, mas é realmente uma surpresa face ao que pensávamos anteriormente. Estávamos à espera que, mesmo que a pessoa estivesse infetada, a carga viral fosse mais baixa nos vacinados”, afirma Paulo Paixão.
Por outras palavras, se alguém na sua família ou círculo mais próximo não estiver vacinado, a sua vacinação protege-o a si, mas não garante a proteção dos outros. Mesmo vacinado, o risco de transmitir a doença é tão elevado como se não tivesse sido previamente vacinado.
“Isto pode parecer um pormenor, mas realmente do ponto de vista de saúde pública pode ser importante. É mais uma cacetada na história da imunidade de grupo”, refere o presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia.
O próprio estudo demonstra que “a vacinação sozinha não é suficiente para prevenir a transmissão”. “É por isso que mantemos as regras”, refere Paulo Paixão.
Para o especialista, estes dados não significam, no entanto, que não vale a pena tomar a vacina. “O impacto da vacinação na gravidade dos casos [e mortalidade] é brutal”, recorda.
“Os casos devem aumentar agora com o inverno. A mortalidade não vai ser nada parecida com o que aconteceu no ano passado, mas vão aparecer uma série de casos. O que pensamos é que a mortalidade vai subir sobretudo à custa dos não vacinados. O vírus vai continuar a circular e efetivamente os não vacinados vão ter um risco bastante mais significativo do que o que se pensava inicialmente”, resume.
O também professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa explica que o impacto da doença não vai ser tão grande em Portugal porque “os grupos de maior risco tiveram uma adesão massiva à vacinação”, mas “estão em risco”. Ainda assim, “até ao final de inverno temos de ter algum cuidado”.
AEROSSÓIS, OBJETOS E TESTES: O QUE FALTA SABER
O estudo da “The Lancet” não analisa as infeções em função do tipo de vacina administrada aos indivíduos. Para Paulo Paixão, “é possível” que o tipo de vacina afete estes números, mas ainda “não há evidência clara sobre isso”.
Esta ideia está em linha com o que o professor de saúde pública Tiago Correia já tinha dito ao Expresso. No Reino Unido, a vacina preponderante foi a da AstraZeneca, enquanto em Portugal foi a Pfizer e a Moderna, o que pode justificar em parte as diferenças entre países.
No entanto, “relativamente a esta questão dos vacinados, pode ainda haver mais estudos, mas já estamos mais ou menos a acertar agulhas”, afirma o virologista. Em contrapartida, há outras dúvidas que persistem quanto à transmissibilidade do coronavírus.
Uma delas é a questão da transmissão por aerossóis, muito falada no início da pandemia. “Na altura houve alguns trabalhos, mas passou um bocado de moda e as pessoas estão viradas para outras coisas”, refere.
“Sabemos que existe, que é muito menos frequente do que a transmissão por gotículas (a principal forma é através do contacto direto quando falamos com outra pessoa), mas isto é muito difícil de qualificar e nunca ficou completamente claro qual é o risco. No fundo não sabemos muito bem qual a contribuição que estes aerossóis têm para os casos.”
Considerando que “provavelmente é muito residual”, o especialista afirma que é possível que as “medidas de prevenção [nomeadamente relativas ao arejamento dos espaços] passem se calhar por um exagero de cuidados” devido a este desconhecimento.
E acrescenta: “era importante esclarecer isso quer para esta pandemia – que ainda falta algum tempo para terminar -, quer para o futuro. Se algum dia tivermos outra pandemia será muito provavelmente de vírus respiratórios.”
Da mesma forma, também nunca se conseguiu perceber muito bem qual foi o papel dos objetos não desinfetados: “Sabemos que é pequeno e tudo indica que mais baixo que os aerossóis, mas desconheço algum trabalho que quantifique [os casos causados por esta via].”
Por fim, falta ainda um “teste ideal” para detetar se a pessoa ainda pode transmitir o vírus. A crença atual da comunidade científica é que o teste de antigénio é mais eficaz a detetar casos transmissíveis, pois, ao ser menos sensível, deteta as cargas virais mais elevadas. Assim, uma pessoa com um teste PCR positivo mas um de antigénio negativo já não consegue à partida transmitir o vírus.
Contudo, um artigo lançado esta semana também na “The Lancet” demonstra que “esta não é tática perfeita”, explica Paulo Paixão, pois detetou casos com antigénio negativo que ainda transmitiam.
O teste “mais indicado” para determinar o potencial de contágio é a cultura celular, que “estuda a viabilidade do vírus” – ou seja, “se crescer em cultura é porque ainda é infeccioso”. Contudo, “é complicadíssimo de fazer e só laboratórios podem fazer. Não é prático para ser utilizado”
Assim, “não temos nenhum teste que nos garante de forma muito fiável e simples se a pessoa está a transmitir a doença ou não”, e que poderia ser facilmente aplicado antes de se dar alta a um paciente.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL