O Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa está no limite da sua capacidade. A acalmia no cenário pandémico precipitou a saída de quase duas centenas de profissionais e os lugares deixados livres não têm quem os queira ocupar. As dificuldades em tratar os doentes têm aumentado e não há remédio imediato. Sem muitos mais recursos humanos é impraticável utilizar a capacidade instalada ou fazer qualquer expansão.
“Ninguém quer trabalhar no IPO, só se fica por vocação. Perdemos as regalias que tínhamos por trabalharmos numa unidade de cancro, como mais dias de férias e boas condições de trabalho: os horários e os turnos eram respeitados”, explica uma enfermeira. “Agora os rácios que nos dão colocam a vida dos doentes em risco. Há enfermeiros que entram e ao fim de 15 dias já estão a administrar quimioterapia.”
A enfermeira fala em desalento. “É muito triste dizer a um doente que vai começar os tratamentos mais tarde do que devia ou encarar as famílias: ‘o meu pai fazer a TAC daqui a três meses mas devia ser num mês’ ou ‘não vai começar a fazer rádio porque não há vaga’ ou ver faltar apoio psicológico porque não se consegue receber mais ninguém — serão menos de dez psicólogos para todo o IPO e só um para as crianças.”
Em 2021, o IPO precisava de 2231 profissionais, tem perto de 2070. O défice é, no entanto, mais agudo do que transparece do resultado porque atinge uns grupos profissionais mais do que outros, desde logo os enfermeiros. O fim do estado de emergência decretado durante a pandemia devolveu a mobilidade aos profissionais de saúde, e uns aproveitaram-na e outros foram dispensados [ver números]. Só o IPO-Lisboa perdeu até ao final de setembro 196 pessoas, das quais 71 enfermeiros, 80 assistentes técnicos e operacionais, 15 médicos e 17 técnicos de diagnóstico e terapêutica.
“No verão passado, o IPO-Lisboa foi autorizado a contratar cerca de 70 profissionais, e encontram-se atualmente em curso vários processos de recrutamento e seleção. Sucede que as necessidades identificadas para 2021 são superiores às autorizações concedidas e que os profissionais contratados e/ou a contratar são em número inferior aos que saíram”, explica a administração. Mas há outro senão, e talvez mais difícil de resolver.
“No caso de algumas profissões, nomeadamente enfermeiros, não há candidatos em número suficiente ou com as qualificações requeridas para preenchimento das vagas abertas.” Assim sendo, a administração é perentória: “A não contratação dos recursos humanos necessários compromete o aumento da capacidade instalada, resultante dos investimentos realizados nos últimos anos (ampliação e renovação do bloco operatório, unidade de transplante de medula, serviço de radioterapia, entre outros).” Fica igualmente em causa “a necessidade de construir um novo edifício para os serviços de ambulatório”.
Infografia: Sofia Miguel Rosa
O diagnóstico é antigo mas o prognóstico tornou-se mais reservado: os doentes com cancro são em maior número e chegam em estado mais grave. O esgotamento do IPO foi denunciado esta semana pelo médico e antigo secretário de Estado da Saúde do PSD Fernando Leal da Costa, num artigo de opinião no “Observador”, em protesto pela ausência de apoios ao IPO-Lisboa na proposta de Orçamento do Estado para 2022.
Ao Expresso, Leal da Costa não tem dúvidas das consequências do esgotamento em que se encontra o IPO: “Há atrasos que são tão impactantes para quem decide prioridades como para quem espera um tratamento que poderá nunca chegar. Estávamos habituados a uma estrutura muito fluida que desapareceu com a necessidade de todos os dias termos de tomar decisões sobre como tratar os doentes.”
Antigo governante da Saúde, garante que os gestores do IPO-Lisboa não baixaram os braços, os restantes responsáveis é que fingem não os verem a esbracejar. “A discussão é sempre ao lado dos problemas concretos. Há projetos há anos, mas tudo é prioritário ao IPO, porque, é um facto, fomos dando resposta. Agora começamos a ter dificuldade.”
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso