“A manchete do Expresso [em 2015] dizia que, se a direita fosse minoritária, faríamos tudo para uma negociação”
António Costa
Contexto: Logo no início do debate, António Costa mostrou uma manchete do Expresso, de 26 de setembro de 2015, na ponta final da campanha, que dizia “Costa chumba governo de direita minoritário”. Permitia perceber que o PS faria “tudo para conseguir uma negociação à esquerda”, explicou agora o líder socialista, para justificar o argumento de que não escondeu que faria depois das eleições o que seria conhecido como a “geringonça”.
Os factos: A notícia era verdadeira e também os seus termos, como se veria, mas não citava fontes em on e, no dia seguinte, António Costa não a quis comentar. Mas assim que o jornal foi para as bancas, Paulo Portas não precisou de uma declaração oficial de Costa para perceber o que aí vinha e avisou de imediato, com uma declaração em cima da ponte de Amarante, que vinha aí uma “maioria negativa”.
Conclusão: Impreciso
Vítor Matos
“Mais de quatro milhões de portugueses têm seguro de saúde ou ADSE (…) porque o SNS não dá os acessos de que as pessoas precisam”
Rui Rio
Contexto: Nos últimos anos, tem sido crescente o número de portugueses com seguros de saúde e também com o subsistema de saúde dos funcionários do Estado, ADSE. A adesão a acessos alternativos a cuidados médicos resulta da maior oferta, com o sector privado em expansão acelerada, e do facto de a ADSE ter aberto as suas portas também a quem trabalha para o Estado, embora sem ser um funcionário público.
Os factos: Segundo a Associação Portuguesa de Seguradores, são cerca de três milhões os titulares de seguros de saúde no país. Já quanto aos beneficiários da ADSE, rondariam os 1,3 milhões no final de 2021. Os dados do Instituto Nacional de Estatística, para assinalar o Dia Mundial de Saúde, provam a maior atratividade dos privados: os 102 hospitais em funcionamento em 2010 passaram a ser 127 em 2019 e a sua atividade expandiu-se também. A atividade no sector foi a que mais cresceu entre 1999 e 2019, “verificando-se um reforço do peso relativo ao nível das consultas médicas (de 15,6% para 37,3%), das cirurgias (de 22,4% para 29,8%), dos internamentos (de 15,3% para 24,1%) e dos atendimentos em serviço de urgência (de 4,2% para 17,3%)”.
Conclusão: Verdadeiro
Vera Lúcia Arreigoso
“O peso dos impostos desceu um ponto nestes seis anos do meu governo. O que aumentou foi o peso das contribuições sociais”
António Costa
Contexto: A crítica à carga fiscal tem sido recorrente nos últimos anos. Rui Rio voltou a fazê-lo neste debate e disse até que “Portugal é um dos países que tem maior carga fiscal”. Costa ripostou e garantiu que foram as contribuições sociais a fazer subir este indicador e não os impostos, cujo peso até desceu nos seis anos do seu Governo.
Os factos: O conceito de carga fiscal é usado frequentemente de forma imprecisa no debate político. Umas vezes refere-se apenas a impostos, outras vezes inclui contribuições sociais. E, por vezes, é até utilizado para se referir apenas ao objeto da tributação: “carga fiscal sobre os salários”, “carga fiscal sobre as famílias”, por exemplo. Carga fiscal representa o peso dos impostos no PIB: é uma estatística, um rácio, que pode variar sem alterações de política. Quando se incluem também as contribuições sociais chama-se habitualmente carga fiscal e contributiva.
Independentemente da eventual confusão de conceitos ou nomes, os números não enganam. Os dados do Instituto Nacional de Estatística, que ainda não tem valores disponíveis para 2021, vão até 2020 e mostram que, de facto, a carga fiscal (só impostos) teve uma descida de um ponto nos anos de governação de António Costa: era 25,3% do PIB em 2015 e chegou a 2020 em 24,3%. Costa não referiu, no entanto, que depois de descer em 2016 e 2017, teve uma subida em 2018 e só então voltou novamente a cair. Já a carga fiscal e contributiva é superior a 2015: 34,6% contra 34,3% do PIB.
Conclusão: Verdadeiro
João Silvestre
“Há dois anos, Rui Rio queria reduzir os impostos em 25% e aumentar o investimento público em 50%”
António Costa
Contexto: Quando se discutia a redução de impostos, António Costa recordou que, no debate antes das legislativas de 2019, Rui Rio disse que queria “reduzir os impostos em 25%, e aumentar o investimento público em 50%”. Depois acrescentou: “Em dois anos, perdeu metade da vontade de descer os impostos (…), ignorando o que disse há dois anos”. Rui Rio não o contradisse.
Os factos: No duelo para as legislativas de há dois anos, no entanto, Rui Rio disse que pretendia usar a folga orçamental, que estimava em 15 mil milhões de euros, para gastar 25% dessa margem em redução de impostos (metade para o IRS e metade para o IRC), 25% em investimento público e 50% na despesa corrente. Nunca disse que queria baixar os impostos em 25% nem aumentar o investimento público em 50%.
Conclusão: Falso
Vítor Matos
“Rácios do Hospital de São João são muito melhores do que os do Santa Maria“
Rui Rio
Contexto: Rui Rio defende que é preciso melhorar a eficiência do Serviço Nacional de Saúde para ter maior produtividade, à semelhança do que os privados conseguem fazer. E, para começar, melhorar desde logo os rácios dos diferentes hospitais públicos para os padrões dos mais eficientes, caso do Centro Hospitalar São João, no Porto.
Os factos: No Portal da Transparência estão compilados dados sobre a produtividade dos hospitais do SNS e o São João destaca-se, mas a diferença face ao Santa Maria, em Lisboa, não é elevada. Nas consultas, a variação em outubro de 2021 foi de 680.594 para 588.731: não é “muito melhor”. Já diferente é a produtividade cirúrgica: no Norte, a equipa realizou mais de 40 mil intervenções programadas e no Santa Maria não se atingiram as 25 mil operações.
Conclusão: Verdadeiro
Vera Lúcia Arreigoso
“Nos Tribunais administrativos e fiscais uma sentença dificilmente demora menos de 15 anos a transitar em julgado”
Rui Rio
Contexto: Rui Rio falava de uma Justiça lenta, que torna os tribunais pouco funcionais e exaspera os cidadãos, que precisam de resolver os seus problemas legais do dia a dia.
Os factos: O site sobre as Estatísticas da Justiça refere que a duração média dos processos findos nos tribunais fiscal de primeira instância é de 48 meses e que nos administrativos é de 31 meses. Há milhares de processos atrasados, por falta de recursos humanos, que estão em liquidação, muitos deles há 10 ou 15 anos. Esse número tem diminuído porque foram recrutados mais juízes e criadas equipas liquidatárias. Hoje, por cada 100 processos que entram num ano finalizam-se 114.
Conclusão: Impreciso
Hugo Franco
“Quem pede uma reforma recebe-a passado um ano ou mais”
Rui Rio
Contexto: Rui Rio defendia uma racionalização do número de funcionários públicos, porque, apesar do aumento do número de contratações, a qualidade dos serviços públicos tem vindo a degradar-se. Para exemplificar a perda de qualidade dos serviços do Estado, o candidato do PSD ilustrou com os atrasos na atribuição de passaportes, de cartões do cidadão ou nas pensões de reforma. A citação exata, que simplificámos no titulo, para facilitar a compreensão, é: “Quem pede a reforma com 66 anos e quatro meses, a Segurança Social, demora a responder – imagine que descontou para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social – recebe a reforma passado um ano ou mais.”
Os factos: O atraso da Segurança Social na aprovação dos pedidos de pensões de reforma é um problema antigo e crónico. Em 2019, a situação acabou por ser especialmente mediatizada e o Governo, na altura com o ministro Vieira da Silva na pasta, prometeu estugar o passo e até avançou com a atribuição provisória de pensões. Os dados mais recentes, constantes do relatório de 2020 da Provedora de Justiça, mostram que, nesse ano, Maria Lúcia Amaral recebeu 644 queixas relacionadas com o tema.
O descontentamento dos cidadãos desceu face a 2019, um ano particularmente ruinoso nesta área (chegou a receber 1721 queixas), mas “o assunto continua a exigir preocupação”, escreveu Maria Lúcia Amaral. Porém, o facto de haver pessoas que esperam mais de um ano – ou mesmo dois anos – pela pensão não significa que a maioria fique tanto tempo pendurada.
Mas é verdade que há muitas situações que ultrapassam um ano, como diz Rui Rio. Os casos mais difíceis são os das chamadas pensões unificadas – quando há mais que uma pensão em causa. Isto pode acontecer quando os trabalhadores fizeram carreira profissional tanto no sistema público (gerido pela Caixa Geral de Aposentações) como no privado (gerido pelo Centro Nacional das Pensões), ou quando acumulam também pensões de fontes estrangeiras (casos em que os atrasos são ainda maiores). Uma auditoria do Tribunal de Contas, divulgada em 2021, mas com referência a 2019, concluía que, nesse ano, as pensões unificadas demoravam 295 dias a atribuir.
Conclusão: Verdadeiro
Elisabete Miranda
“Virámos a página da estagnação desde que sou primeiro-ministro”
António Costa
Contexto: Portugal foi uma das economias mais lentas da Europa nas últimas duas décadas e o seu PIB per capita foi ultrapassado por vários países do antigo bloco soviético. Têm sido vários os partidos a acusar o Governo de António Costa de nada fazer contra a estagnação, Rui Rio voltou a fazê-lo neste debate. Costa respondeu que, desde que chegou ao Governo, virou a página da estagnação.
Os factos: O PIB português foi o terceiro que menos cresceu na União Europeia desde o nascimento do euro, em 1999. Pior só Itália e Grécia. Na maior parte dos anos, Portugal não convergiu com a média europeia e os portugueses ficaram mais ‘pobres’, em termos relativos, na comparação com os restantes países europeus. Mas estas duas décadas – e as médias que se calculam – escondem períodos que são, apesar de tudo, diferentes.
Entre 1999 e 2008, que corresponde ao período anterior à crise financeira, o PIB cresceu a uma taxa média de 1,6% ao ano. Mas apenas convergiu com a zona euro uma única vez: em 1999. Depois, entre 2009 e 2013, houve quatro anos de recessão – só 2010 escapou. O crescimento regressou em 2014 e, desde então, a economia tem conseguido alguns dos melhores desempenhos desde o arranque da moeda única. Os anos entre 2016 e 2019 tiveram sempre convergência com a zona euro e foram alguns de maior crescimento nestas duas décadas. Entretanto, a pandemia chegou e veio uma das piores recessões da histórica económica portuguesa.
Dizer que foi virada a página da estagnação pode ser prematuro porque, sendo verdade que os ritmos de crescimento dos anos dos governos de António Costa foram positivos tendo em conta o desempenho recente do PIB português, é preciso mais para virar a página. Não são três ou quatro anos de crescimento que permitirão recuperar o atraso. Além disso, ainda é preciso recuperar do tombo provocado pela pandemia. Só o futuro nos dirá se a estagnação foi mesmo ultrapassada.
Conclusão: Impreciso
João Silvestre
“O peso das exportações no PIB deu um salto de vinte e muitos por cento para 40 e tal por cento no anterior Governo e neste subiu apenas dois pontos”
Rui Rio
Contexto: A abertura ao exterior tem aumentado muito nos últimos anos, principalmente a partir dos anos da troika, e Rui Rio acusou António Costa de, no seu Governo, esta tendência ter abrandado. Mais concretamente, de ter havido uma muito menor subida do peso das exportações no PIB do que no anterior Governo de Pedro Passos Coelho.
Os factos: O peso das exportações no PIB era de 27% do PIB em 2010 e saltou para 41,1% no final de 2015, ou seja, quando Passos Coelho saiu do Governo. O primeiro ano dessa legislatura – 2011 – teve logo um salto para 35%. Se admitirmos que 27% são “vinte e muitos por cento”, que o salto de 2011 se deve integralmente ao governo PSD-CDS (que iniciou funções a meio do ano) e que 41,1% são “quarenta e tal por cento”, então o argumento de Rui Rio é verdadeiro.
Convém recordar, no entanto, que esses foram anos de recessão grave, com o PIB a cair (que é o denominador do rácio), que obrigaram muitas empresas a virar-se para o exterior para sobreviverem. Nos anos dos governos de António Costa, houve uma subida de 41,1% (2015) para 43,7% (2019), um pouco mais de “dois pontos”. Em 2020, o último ano completo disponível nas séries do INE, houve uma descida para 37,3%, que teve a ver com a pandemia e a quebra no comércio internacional.
Conclusão: Impreciso
João Silvestre
“Faça um telefonema ao dr. Rangel para ver o que a Comissão Europeia disse do Polónia e da Hungria.”
António Costa
Contexto: Rui Rio propõe que o Conselho Superior do Ministério Público, que avalia os procuradores, tenha “uma igualdade ou maioria” de não magistrados, porque isso tornaria o sistema “menos opaco”, menos corporativo e a sociedade “tem de estar mais presente” na Justiça. Com aquela frase, António Costa comparou-o aos sistemas dos países europeus que se estão a afastar da democracia, muito por tentarem controlar a Justiça.
Os factos: Os problemas da Comissão Europeia com a Polónia na área da Justiça são de vária ordem, mas para este assunto interessam as críticas ao chamado Conselho Nacional Jurídico, o órgão que nomeia juízes e tem também a função de “garantir a independência do sistema judicial”, segundo a Constituição polaca, que estabelece ainda quem são os membros desse organismo: presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ministro da Justiça, presidente do Primeiro Tribunal Administrativo, um membro indicado pelo Presidente da República, quatro escolhidos pelo Parlamento e 15 juízes de todos os quadrantes.
Em 2017, esses 15 juízes, até ali eleitos pelos seus pares, passaram a ser escolhidos pelo Parlamento. A crítica é que esta mudança, que é de facto parecida à proposta por Rio já que aumenta a presença da “sociedade” na Justiça, efetivamente sujeita a instituição que escolhe e sanciona juízes à maioria corrente. Onde é que Costa se poderá ter confundido: é que este organismo não nomeia procuradores na Polónia, eles passam por um treino específico, e são nomeados, mediante concurso, pelo Procurador-Geral.
Claro que, neste momento, esse homem acumula o cargo com o de ministro da Justiça, porque a Polónia tem mesmo um caso complicado em mãos quando o assunto é a independência da Justiça. Mas o Conselho Nacional Jurídico, que seria o que António Costa estaria a comparar ao nosso Conselho Superior do Ministério Público, de facto não nomeia procuradores. A Hungria tem alguns dos mesmos problemas, mas a Comissão Europeia não apresentou nenhuma queixa formal sobre o funcionamento da Justiça, apesar de existirem diversos relatórios, que também alertam para a falta de independência dos juízes húngaros, mas aqui não é disso que se trata.
Conclusão: Impreciso
Ana França
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL